De palhaços e palhaços

Ataulfo e sua poesia musicada

Você diz que me dá casa e comida /
Boa vida e dinheiro prá gastar /
O que é que há, minha gente o que é que há? /
Tanta bondade que me faz desconfiar /
Laranja madura na beira da estrada /
Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé…

É com a simplicidade e ao mesmo tempo objetividade desses versos escritos em 1966, sob o título Laranja Madura, que o poeta mineiro Ataulfo Alves mostrava seu alerta para as coisas oferecidas com facilidade ou intensidade ou ainda com frequência.

Ataulfo, de Amélia – aquela que era mulher de verdade. A mulher que passava fome ao seu lado e achava bonito não ter o que comer.

Ataulfo, de sua pequenina Miraí pela qual daria tudo que tivesse pra voltar aos tempos de crianças em suas ruas, pras missas domingueiras na matriz, pra reencontrar a professorinha que lhe ensinou o bê-á-bá, pra rever Mariazinha, seu primeiro amor, que ele não sabia onde andava. Em suma, pra ser igual a toda a meninada no tempo em que ele era feliz e não sabia.

Peço licença a Ataulfo  em sua paz espiritual, pra figuradamente usar a poesia de Laranja Madura como referencial sobre a mídia mato-grossense.

Estamos no período de desconstrução do jornalismo. A indiferença pela qualidade do texto e o teor da informação leva o internauta ao fútil, ao conteúdo direcionado por assessoria ou atrelamento editorial em troca de mídia pública. Essa prática, mesmo não sendo coletiva é amplamente majoritária e alcança os objetivos de quem a adota: faz do internauta leitor e, não raramente, multiplicador da notícia recebida.

Não é fácil fazer jornalismo quando se busca a qualidade.  Sites postam dezenas de matérias diárias.  Avançam no quantitativo.  Parte desse material tem postagem massificada no conjunto da mídia eletrônica regional. Outro tanto fica restrito àqueles de maior acesso. O internauta, na medida em que deixa de ser seletivo, torna-se cúmplice da gaiatice editorial desqualificadora do jornalismo e – quase sempre – muito cara aos cofres públicos.

Vejamos: na sexta-feira, 14, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, esteve em Rondonópolis vistoriando a duplicação da BR-163 em parte da travessia urbana (o restante é duplicado) e o terminal ferroviário da Rumo.

Uma verdadeira operação de guerra foi montada para transportar o governador Mauro Mendes, barbanés de ouro do Palácio Paiaguás e deputados estaduais àquela cidade para o beija-mão de Tarcísio. A Imprensa não focalizou essa festança por esse aspecto. Ao invés disso e de cobrar demandas mato-grossenses, a mídia ficou em salamaleques estampando fotos de deputados ao lado do ministro – tal postura foi replicada por assessores parlamentares em redes sociais. Os deputados estaduais Delegado Claudinei (PSL) e Dr. Eugênio (PSB) posaram sorridentes na companhia do ilustre visitante. Repórteres perderam a oportunidade de cobrarem ao governador Mauro Mendes, a restauração do anel viário da cidade, que está praticamente intrafegável desde o governo anterior, de Pedro Taques.

De que adianta uma voz isolada questionar essa farra com dinheiro público? De que adianta um site criticar a situação em que se encontra o anel viário de Rondonópolis? Não adianta nada. O tempo do internauta mato-grossense nas redes sociais – quase todo ele – é dedicado a problemas nacionais. Pisam nos nossos cadáveres para criticarem as feridas de Lula, Bolsonaro, Paulo Guedes, Palocci, Gilmar Mendes, STF, Moro etc.

Mato Grosso poderia solucionar alguns de seus problemas se o internauta exercesse sua cidadania no âmbito regional. Claro que há exceções, mas com uma voz aqui e outra ali não se muda um quadro tão desolador quanto o nosso.

Neste blogdoeduardogomes tento manter uma trincheira por Mato Grosso. Excluo notas de assessoria quando seu conteúdo é oba-oba. Derrubo artigos de figuras pouco recomendáveis. Evito registros policiais que omitem nomes dos envolvidos. Fujo do campo especulativo sobre política. Mesmo com minhas limitações, fraquezas e defeitos brigo pelo bom jornalismo. Perco essa luta menos pela força dos que remam em sentido contrário (a favor da correnteza do poder) e mais pela indiferença do internauta.

Avalio que Mato Grosso precisa de um veículo de Comunicação de alcance popular e bem capilarizado, que aja com independência editorial e não seja replicador dos dourados textos de assessoria. Que seja um instrumento regionalizado, sem se preocupar com assuntos alheios, que podem ser acompanhados nas reportagens dos grandes portais nacionais. Para se chegar a esse site é imprescindível acesso e interatividade com o internauta – essa relação viabiliza o site e abre janelas comerciais ao mesmo, para buscar anunciantes na iniciativa privada, sem depender de mídia pública.

A relação acima citada não existe e não há sinais de que a mesma esteja na curva da esquina à espera para entrar em cena. Nesse contexto Mato Grosso segue lendo aquilo o que lhe é servido na bandeja do poder e em silêncio devora o conteúdo, por mais indigesto que seja – e o faz tão rotineiramente, que quando se assustar sua consciência estará moldada pela máquina publicitária que faz desta abençoada e ensolarada Terra de Rondon, um grande circo onde palhaços no picadeiro e na arquibancada sorriem da palhaçada que nasce de sua interação.

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