Nenhum político concentrou tanto poder em Mato Grosso quanto José Riva. Por duas décadas a Assembleia Legislativa rezou por sua cartilha. Ao longo desse período os governadores engrossaram a fila do beija-mão a Riva. A bancada federal nunca assumiu posicionamento que chocasse com ele. AMM e UCMMAT, que são as associações dos prefeitos e vereadores, respectivamente, eram verdadeiras extensões de seu gabinete. Entidades de classe de servidores, patronais e de trabalhadores na iniciativa privada, mesmo se dirigidas por seus críticos, sempre buscavam seu apadrinhamento quando se sentiam prejudicadas ou reivindicavam algo. A força representativa dele chegou ao fim. Do poder quase ilimitado não resta nada. Acumula penas em primeira instância, que somadas passam de 89 anos. Por várias vezes foi preso. Todas as sentenças e prisões por improbidade administrativa. Com essa mistura de currículo e ficha corrida ele está entre os Personagens de Mato Grosso.
Riva foi um dos principais líderes políticos de Mato Grosso desde 1998, quando foi eleito o deputado estadual mais votado em seu Estado e nunca mais deixou essa condição. Paralelamente a isso, também carregava o incômodo título de parlamentar mais denunciado pelo Ministério Público e mais processado do Brasil. Quanto à pecha, Riva sempre a desqualificou. Dizia que o MP tratou de pulverizar uma ação em várias e que repetiu essa prática em todos os casos de supostas irregularidades entre a Assembleia e fornecedores.
Capixaba de Guaçuí, nascido em 8 de abril de 1959, José Geraldo Riva, comemora aniversário juntamente com Cuiabá, cidade fundada pelo bandeirante paulista Moreira Cabral 140 anos antes de seu nascimento.
Ainda criança Riva foi em busca de dias melhores no Paraná. Em 1979, com o diploma de técnico em Contabilidade debaixo dos braços, mudou-se para Juara, município na calha do rio Arinos e que dava seus primeiros passos. A profissão era conhecida como guarda-livros. Riva se orgulha dela e conta que sua família era muito pobre. Seu pai, Dauri Riva, reuniu os filhos, e sem alternativa, pediu que eles escolhessem um para continuar os estudos, porque não poderia pagar escola para todos. A decisão dos irmãos foi unânime: “Vai o Zezé, que é mais ‘danado’”. Habilidoso e considerado letrado para a época, ganhou a confiança da população de Juara e três anos depois de desembarcar naquela cidade se elegeu prefeito pelo nanico PMN. Não é preciso explicar quem é o Zezé.
Riva assumiu a prefeitura de um lugar totalmente desconhecido até mesmo em Mato Grosso. Ele sabia que se não divulgasse Juara seu desenvolvimento seria lento e difícil. Como se fosse caixeiro-viajante percorreu o Paraná vendendo a boa imagem de sua nova terra. A política promocional apresentou bom resultado e em pouco tempo sua cidade ganhou título de realeza: virou Rainha do Café.
No começo de 1989 o mandato de Riva na prefeitura chegou ao fim. No ano seguinte, se lançou a deputado estadual com apoio de caciques políticos, que não apostavam naquela aventura. A região de Juara tinha pequeno eleitorado e sua candidatura serviria apenas para somar voto à coligação de seu PMN.
A previsão do grupo mandachuva foi apenas parte do desfecho da eleição de 1990. Riva empatou em número de votos com Homero Pereira, do PRN coligado ao PMN. O desempate pela primeira suplência seria por idade. Homero era mais velho: nasceu em 25 de maio de 1955. Riva, nascido em 8 de abril de 1959 viu Homero assumir uma cadeira.
Homero Alves Pereira assumiu uma cadeira na Assembleia em parte da legislatura. Depois foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária (Famato) e deputado federal. Morreu em 20 de outubro de 2013, vítima de um câncer, no exercício do mandato, na Câmara,
A fase política adversa de Riva se estendeu a 1992, quando disputou e perdeu a eleição para prefeito de Juara. Nem mesmo a coleção de tropeços em pouco tempo o desanimou e, em 1994, estava novamente nos palanques pedindo apoio para deputado pelo PMN. Naquele ano conseguiu chegar à Assembleia, com 8.090 votos. Começava assim sua ligação umbilical com o Parlamento mato-grossense.
Em 1998 Riva foi o candidato a deputado estadual mais votado, com 29.776 votos. Repetiu essa condição em 2002, com 65.389 votos; em 2006, com 82.799 votos; e em 2010, com 93.594 votos.
No longo período na Assembleia Riva trocou de partido algumas vezes: saiu do PMN para o PSDB, deste para o PP e liderou a criação do PSD em Mato Grosso.
Plenário sempre foi território estranho pra Riva. Desde sua posse, em fevereiro de 1995, por cinco vezes presidiu e por duas foi primeiro-secretário da Assembleia. Nesse período enfrentou contratempos. Na legislatura de 2007 a 2010 foi afastado da presidência e posteriormente teve o mandato cassado por decisão unânime do TRE por crime de compra de votos na eleição de 2006, no município de Santo Antônio de Leverger; Riva recorreu da decisão ao TSE e a reverteu. Cassado, foi candidato à reeleição em 2010 e, mesmo fora do poder, foi novamente campeão de votos ao cargo.
Riva foi o deputado mais atuante e o que mais apresentou projetos e indicações. À época, sua assessoria revelou que ele foi autor de 450 leis e indicações importantes.
Na legislatura de 2011 a 2014 Riva também foi afastado da presidência por decisão judicial. Primeiro foi mantido na função, mas impedido de administrar a Assembleia; Romoaldo Júnior (PMDB) o substituiu. Depois foi destituído do cargo de presidente, mas conseguiu reverter a situação.
O momento mais crítico de Riva aconteceu em 20 de maio de 2014, quando foi preso, em Cuiabá, pela Polícia Federal, no desenrolar da Operação Ararath, que apura lavagem de dinheiro, agiotagem e outros crimes. Levado para a Penitenciária da Papuda, em Brasília, o deputado foi solto três dias depois. Tanto a prisão quanto a soltura foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Riva protestou contra a prisão, que definiu como arbitrária. Ao decidir pela liberdade do parlamentar, Dias Toffoli admitiu que foi induzido pelo Ministério Público ao erro na decretação (da prisão), pois a papelada que chegou às suas mãos omitia o fato de Riva ser deputado e estar em pleno exercício do mandato.
Em 2014 Riva anunciou que disputaria o governo, mas foi alcançado pela Lei Ficha Limpa. Inelegível, lançou a mulher, Janete Riva (PSD), que teve pífio desempenho nas urnas. Janete encabeçou uma chapa com o médico Aray Fonseca de vice e recebeu 144.440 votos (9,92%). O vencedor, em primeiro turno, foi Pedro Taques (PDT) e o segundo colocado foi o petista Lúdio Cabral.
Passou
Riva passou. Enfrenta um mar de ações que nem ele mesmo sabe quantas são. Por algum tempo virou sinônimo de corrupto, mas essa pecha cada dia se dilui mais, na medida em que operações do MP, da Polícia Federal e da Delegacia Fazendária revelam as entranhas políticas mato-grossenses e nacionais.
Durante o longo período em que foi investigado e denunciado pelo MP Riva não demonstrou nervosismo. Calmo, sereno, administrava a tormenta em que se meteu.
Durante seu ciclo de poder Riva teve a Imprensa nas mãos. Derramava dinheirama na Comunicação. Dizem que por dentro e por fora. Em 10 de março de 2016 a Polícia Federal apreendeu na casa de Riva uma lista com 107 nomes de jornais, sites, televisões, revistas, emissoras de rádio e jornalistas que, segundo a PF, receberiam por fora para blindagem de seu esquema.
Com tantas figuras da Comunicação envolvidas com Riva não é difícil imaginar qual tratamento editorial recebia no seu ciclo de poder. Não somente jornalistas o cortejavam. Até o Banco do Brasil, referência de instituição séria, dobrou os joelhos para ele. Quando da construção da atual sede da Assembleia, Riva canalizava seu rechonchudo duodécimo para a obra – para quitar a folha salarial o bondoso BB fazia CDC para os servidores da Assembleia, e Riva ao fio imaginário do bigode garantia a transação.
Entre o empresariado Riva era o cara. Isso, porque tinha o poder do sim e do não nas obras contratadas pelo governo. Trombar com ele era o mesmo que fazer haraquiri empresarial.
Num depoimento espontâneo à juíza Criminal Selma Rosane de Arruda (agora senadora) Riva confessou que pagou mensalinho a 33 deputados estaduais e ex-deputados estaduais.
Da relação citada, alguns são nomes em evidência:
Carlos Brito, apontado por Riva enquanto mensaleiro, é secretário-adjunto do governador Mauro Mendes e em 2012 foi candidato a prefeito de Cuiabá com as bênçãos de Riva, que era o cacique de seu partido, o PSD.
Sebastião Rezende (PSC) e Romoaldo Júnior (MDB) são deputado estaduais.
Juarez Costa (MDB) é deputado federal e Eliene Lima foi deputado federal.
Silval Barbosa foi governador.
O Tribunal de Contas do Estado tem vários nomes relacionados por Riva: seu presidente Campos Neto e o conselheiro Guilherme Maluf; o conselheiro afastado judicialmente Sérgio Ricardo; o conselheiro aposentado precocemente Humberto Bosaipo; e o ex-conselheiro Alencar Soares, réu por suposta venda de sua vaga naquela corte auxiliar de contas para Sérgio Ricardo.
Cada cabeça uma sentença
Riva é réu confesso em alguns crimes. Outros, nega com convicção. Disse que não vai pagar por crimes que não cometeu.
Familiocracia
No auge do poder Riva elegeu seus irmãos Priminho e Paulo Rogério prefeitos de Juara e Tabaporã, respectivamente. Sua filha Janaína Riva cumpre o segundo mandato consecutivo de deputada estadual e carrega o título de campeã de votos para o cargo. Em 2014 Janaína elegeu-se pelo PSD de seu pai. Agora é liderada pelo cacique Carlos Bezerra, que controla o MDB, seu novo partido. De quebra ela é vice-presidente da Assembleia.
Janaina é investigada pela Operação Lava Jato por suspeita de lavagem de dinheiro por meio de transações que envolveriam o empresário Valdir Piran e o lobista Lúcio Funaro. Janaína e seu irmão José Geraldo Riva Júnior, são donos da empresa Floresta Viva Exportação de Madeira e Terraplanagem, que seria o pivô das investigações que a envolvem com Piran e Funaro. Segundo Janaína, quem administra a empresa é seu pai,
Resumo
Excluir Riva da relação dos Personagens de Mato Grosso seria hipocrisia. Ele bem personifica boa parte da classe política mato-grossense, mas com um diferencial: é campeão nas urnas e habilidoso.
Sobre ele, em 2016 publiquei o livro O ciclo de fogo – biografia não autorizada de Riva, que à época estava bem atualizado. Depois a sucessão de fatos alterou bem o perfil do ex-deputado.
Nunca fui comensal de Riva. Em uma ou outra entrevista coletiva estive em seu gabinete. Nunca entrei no gabinete de Janaína para falar com ela. Não tive vínculo político nem mantive relação de cordialidade com o ex-deputado. Noto que agora, depois de sua queda, alguns de seus antigos comensais, incluindo ex-deputados que rezavam por sua cartilha, o criticam.
Riva é a cara da velhaca politica do ontem e da nojenta política de agora. Não sei se por acaso ou de fato pensado o escolheram pra boi de piranha (nada contra suas condenações; ao contrário). Enquanto é devorado a boiada da corrupção atravessa o rio deixando-o cada vez mais sujo, poluído e impróprio ao ser humano.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 e 5 – Maurício Barbant
2 e 4 – Vilson de Jesus
5 – Arquivo