Dizem que a promiscuidade política (diria politiqueira) não permite ao governante agir 100% honestamente. Direta ou indiretamente seu mandato acaba maculado pelo esgoto que é a entranha do poder (há exceção). Pior ainda – acrescentam – é quando o governante participa dos esquemas.
Blairo Maggi governou nove anos. Em seu segundo governo aconteceu o escândalo do maquinário tratado nesta série. Não. Tal caso não causou surpresa e – tradicionalmente como acontece – foi bem abafado pela Assembleia Legislativa e a generosidade da mídia amiga. A única voz contundente a ironizá-lo foi a do então senador Pedro Taques (PDT) que se referia ao nome do programa MT 100% Equipado chamando-o de MT 100% Equipado e 20% Roubado.
Blairo sairia praticamente sem se chamuscar da vida pública em 31 de janeiro deste ano, quando terminou seu mandato no Senado, se não fosse o rumoroso caso que para o Ministério Público (MP) foi a compra da vaga do conselheiro Alencar Soares, no Tribunal de Contas do Estado (TCE), para o então deputado estadual Sérgio Ricardo. O Maquinário seria apenas uma citação quando o assunto fosse os grandes rombos sofridos pelo governo. No entanto, a suposta transação para fazer de Sérgio Ricardo conselheiro ganhou lugar de destaque na memória coletiva. Ganhou por uma simples razão: em Mato Grosso, em algum momento, todos os que bebem água ouviram dizer que há venda de vaga no TCE, mas até então a suposta anomalia era citada somente entre quatro paredes. A novidade para muitos foi a teia que se descobriu no curso dos inquéritos e investigações sobre o caso. Essa pecha a cada dia se gruda mais e mais em Blairo.
Os personagens da trama para fazer de Sérgio Ricardo conselheiro foram figuras importantes no cenário político regional Além de Blairo, que seria o pivô, a lista é composta pelo contemplado Sérgio Ricardo, Alencar Soares, Humberto Bosaipo, Éder Moraes, Silval Barbosa, José Riva, Gércio Marcelino Mendonça Júnior – o Júnior Mendonça, Cidinho dos Santos, Carlos Avalone e outras figuras. Essa relação, pode ser citada como banda pobre política, tamanha enrascada em que se meteram seus integrantes, o que é de domínio público em Mato Grosso.
Blairo é investigado e responde a uma ação complicada por obstrução de justiça nessa suposta jogada que teria resultado na compra da vaga no TCE, e nega tal fato, mas sua voz perde força, porque na mesma ação figuram o ex-presidente da Assembleia, José Riva, o ex-governador Silval Barbosa e o ex-secretário de Fazenda Éder Moraes, todos atolados até o pescoço com a Justiça e condenados em primeira instância por outros supostos crimes. Também, contra a negativa de Blairo, pesa o fato de o TCE estar no centro de um furacão após a delação premiada de Silval ao Ministério Público Federal com homologação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, dando conta do pagamento de milionária propina aos conselheiros Antônio Joaquim, Sérgio Ricardo (olha ele ai de novo), Waldir Teis, Valter Albano e José Carlos Novelli. Da composição titular do TCE, somente Campos Neto não figura na lista, mas seu nome foi citado por Riva enquanto mensaleiro quando deputado estadual. Aquele órgão técnico de contas auxiliar da Assembleia tem sete membros, mas uma de suas cadeiras, antes da delação de Silval, já estava ocupada interinamente, pois seu titular Humberto Bosaipo se encontrava afastado por determinação do Superior Tribunal de Justiça. Por orientação de seu advogado, Bosaipo pediu aposentaria, perdeu a prerrogativa de foro, mas ganhou fôlego porque as ações que motivaram seu afastamento baixaram para a primeira instância.
Segundo informações de Brasília, Blairo montou uma grande equipe jurídica para limpar seus trilhos. Independentemente do curso processual, a vida segue.
POMPA – Cuiabá, 16 de maio de 2012. Sérgio Ricardo toma posse no TCE. É o mais novo conselheiro daquela corte auxiliar de contas da Assembleia. A cúpula política presente o aplaude e o mesmo faz a elite cuiabana. Deixemos de lado a gala e entremos no esgoto.
O tema é intrigante, mas tem que ser tratado no condicional, em nome da presunção da inocência. Inquéritos recheados com depoimentos, confissões e outras informações dão conta do seguinte: em 2009 Sérgio Ricardo e Alencar teriam negociado a compra da vaga do segundo. A negociata seria de R$ 4 milhões e teria sido reforçada com um adiantamento de R$ 2,5 milhões. Blairo teria tomado conhecimento detalhado e, numa viagem à África do Sul levando um trenzinho da alegria teria negociado a mesma vaga com Alencar, porque a queria para Éder. Esse caso ficou conhecido como recompra de vaga no TCE. Blairo teria pedido a Alencar que protelasse seu pedido de aposentaria precoce. A mando de Blairo, Éder teria levantado – não se sabe de onde, mas suspeita-se que dos cofres públicos – R$ 4 milhões para o afortunado Alencar.
A proposta de Blairo para Alencar – segundo o inquérito – seria que ele, o conselheiro, devolvesse a antecipação que Sérgio Ricardo lhe teria repassado e guardasse a cadeira para Éder. Porém, Sérgio Ricardo teria articulado na Assembleia, que seria a responsável pelo preenchimento da vaga aberta com a anunciada saída de Alencar, para excluir Éder. Jogadas de bastidores são cautelosas e em público seus personagens conversam da forma mais amistosa possível. Blairo e Sérgio Ricardo sempre trocavam sorrisos.
Com Sérgio Ricardo dominando a Assembleia, Blairo teria se juntado a Bosaipo, para que esse se aposentasse, o que abriria vaga para Éder no TCE, uma vez que a escolha do substituto de Bosaipo seria feita pelo governo.
Na penumbra a promiscuidade invadiu a Assembleia, TCE e o Palácio Paiaguás.
Em depoimento ao MP Éder denunciou a compra de vaga no TCE. Depois, mudou o tom da fala e negou que tal fato houvesse acontecido. Silval em delação disse que Éder teria exigido R$ 12 milhões para mudar esse depoimento, mas que o negócio teria sido fechado pela metade, com ele, Silval, e Blairo injetando em seus bolsos R$ 6 milhões em duas parcelas. Silval disse ainda que Júnior Mendonça teria jogado R$ 4 milhões nas economia de Alencar, a mando de Blairo.
Todos negam por todos os meios, menos Silval e Riva. Nesse fuzuê, em maio de 2019 a procuradora geral da República Raquel Dodge denunciou Blairo por compra de vaga no TCE. Antes da denúncia, em setembro de 2017, atendendo pedido de Raquel Dodge o ministro do Supremo Tribunal Federal,Luiz Fux, autorizou e a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços residenciais e comerciais de Blairo e bloqueou montante para possível ressarcimento da dinheirama que teria sido dada a Alencar. Essa operação nasceu da delação de Silval, por conta de sua revelação sobre a razão para Éder mudar o depoimento no MP sobre a compra de vaga. Para Raquel Dodge trata-se de obstrução de justiça, crime dentre os vários em apuração, que se comprovado – segundo juristas – seria o calcanhar de Aquiles do ex-governador, ex-ministro e ex-senador.
Em nome das regras do bom jornalismo é difícil escrever com detalhes sobre tal situação. Mas essas mesmas regras não impedem que se peça atenção ao leitor para as figuras supostamente envolvidas e as instituições a que pertencem ou pertenceram. No histórico institucional mato-grossense, governo, Assembleia e TCE não escreveram boas páginas nas últimas décadas. Os políticos supostamente com as mãos na massa estão no centro de vários escândalos do colarinho branco. A maneira como Sérgio Ricardo teria agido para ser conselheiro e que Alencar teria feito para se aposentar, e a suposta tentativa de Éder em busca de vaga no TCE sinalizam que instituições e instituídos, nesse caso, se completam.
A Era da Botina foi um governo que surgiu como esperança e como seu jargão dizia, Tá na palma da mão, teve fim administrativo, mas se arrasta melancólico pelos tribunais. Pena que esse fato tenha frustrado mais um sonho político mato-grossense, mas por outro lado, tão logo a Justiça o define em última instância, poderemos respirar outros ares, livres da hipocrisia do texto condicionado sobre tantos casos – não somente esse – que a sabedoria popular chama de batom na cueca.
Eduardo Gomes de Andrade – editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 e 4 – Agência Brasil
2 – Roberto Stuckert – Presidência da República
3 – Agência Senado
4 – Arquivo Secretaria de Comunicação da Assembleia Legislativa