Dignidade política e críticas seletivas

Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com

  • O general Golbery do Couto e Silva foi o alquimista do regime militar de 1964. Sempre que houvesse necessidade de apresentar uma versão ou ação do poder, para neutralizar as críticas internacionais e até mesmo aos poucos que conseguiam protestar internamente, Golbery era acionado. Assim, coube a ele, dentre outras intervenções, mexer no calendário eleitoral. Nos ventos da nossa corrupta democracia, surge a proposta de proibir a reeleição para cargo executivo e remexer nas datas estipuladas para os pleitos de modo a permitir que o brasileiro vote de mamando a caducando, como diria o pecuarista. O burburinho do momento e o que presenciei no passado trazem à minha memória as figuras de Moisés Martins e Carmem Martines.

Mato Grosso praticamente não sabe sobre os gestos de grandeza moral e de postura política de Moisés Martins e Carmem Martines. Na verdade, em meio ao que temos, jamais haverá interesse em divulgar o que ambos fizeram.

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Em 1972 os municípios elegeram vereadores e prefeitos, sendo que nas capitais, municípios da faixa de fronteira e das zonas de segurança nacional, os prefeitos e vice-prefeitos eram nomeados pelos governadores, que por sua vez também não eram eleitos pelo voto direto. Naquele ano, Moisés Martins disputou e venceu a eleição para vereador por Cuiabá, pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), com 1.056 votos. Os mandatos seriam de quatro anos, mas Golbery os prorrogou por dois anos, estendendo-os até 31 de dezembro de 1978 para que as eleições contemplassem os cargos municipais e estaduais.

Com a canetada de Golbery, Moisés Martins ganhou mais dois anos de mandato, mas ele não aceitou. Em 31 de dezembro de 1976 – data originalmente estipulada para o fim de sua legislatura – Moisés Martins renunciou, sendo substituído pelo suplente Nélio Carvosier.

É impensável que alguém renuncie ao cargo em caso de prorrogação de mandato caso a pajelança seja aprovada pelo Congresso. O que se vê hoje é a briga do poder pelo poder, com figurinhas carimbadas percorrendo as trilhas do oportunismo para a disputa do governo, do Senado ou o que vier; é político anunciando que vai trocar de partido tão logo a janela da filiação seja aberta; é a inconsequência partidária e o desequilíbrio pessoal. Trise cenário.

Quando Moisés Martins renunciou, o Brasil em peso permaneceu em seus cargos, salvo um vereador por Petrópolis, que também adotou postura idêntica.

Mato Grosso é governista e volúvel. Mas Moisés Martins à parte, em meio ao caos pela falta de postura política, há uma exceção. Em Carlinda, pequeno município ao lado de Alta Floresta, a prefeita reeleita Carmem Martines (Democratas) renunciou cumprindo um compromisso firmado politicamente quando da campanha eleitoral para presidente da República em 2022. Carmem disse que se Lula da Silva fosse eleito presidente ela renunciaria, pois não teria segurança jurídica nem motivação para administrar Carlinda tendo na Presidência da República (Lula) um homem condenado em três instâncias, por corrupção.

Em janeiro de 2023 Carmem Martines fez a transição para entregar a prefeitura ao vice, Pastor Fernando de Oliveira Ribeiro (PSCV), em 2 de fevereiro. Fernando bandeou para o União Brasil, pelo qual foi reeleito em 2024.

Conversei com Carmem Martines. Com firmeza ela disse-me que enquanto persistir a impunidade no Brasil ela não disputará eleição. Disse ainda que é liderada por Jair Bolsonaro, mas caso ele seja condenado por improbidade administrativa, deixará de apoiá-lo, pois a corrupção não tem ideologia e pode ser praticada tanto pela direita quanto pela esquerda.

O União Brasil é presidido pelo governador Mauro Mendes, que nunca tocou publicamente na renúncia de Carmem Martines. Para os políticos, Moisés Martins e Carmem Martines estão sepultados politicamente. Para a consciência cidadã, no entanto, não é bem assim, pois na verdade dos dois criaram um divisor entre a dignidade e a vulgaridade, no abençoado e ensolarado Mato Grosso, onde as críticas políticas nas redes sociais são quase todas seletivas, voltadas para o plano nacional e caracterizadas pelo silêncio sobre a ladroagem local.

Viva Moisés Martins!

Viva Carmem Martines!

Fotos:

1 – Ecos da Guerra

2 – Sobre imagem da TV Centro América

3 – Prefeitura de Carlinda