RONDONÓPOLIS – Comandante hábil impede tragédia anunciada

Eduardo Gomes

@andradeeduardogomes

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  • Marajá é uma região rural próxima a Rondonópolis e a Terra Indígena Tadarimana do povo Bororo. Ali, em 6 de julho de 1960 nasceu Francisco Carlos Souza, que desde criança sonhava em ser policial militar. Em 1979 Carlos Souza foi aluno do Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), no 18º Grupo de Artilharia de Campanha (18º GAC) em sua cidade. À época a Polícia Militar (PM) admitia oficiais R/2 como são chamados os que concluem o NPOR, mas Carlos Souza optou pelo curso de oficial da PM de Mato Grosso, que não tinha academia e enviava seu pessoal para academias em outros estados – foi para a Academia de Polícia Militar General Edgard Facó, em Fortaleza (CE), de onde saiu aspirante a oficial em 1983.

Assustada e dividida, Rondonópolis acompanhava os primeiros passos do MST, o movimento nacional dos sem terra que chegou àquele município em 1995 disposto a promover uma reforma agrária radical. Sua primeira ação aconteceu em 14 de agosto daquele ano, invadindo a fazenda Aliança na vizinha Pedra Preta. Medo e incerteza tomavam tomavam conta da cidade, pois rumores davam conta de que haveria saques em estabelecimentos comerciais. Havia uma bomba com um rastilho de pólvora. Uma fagulha tanto de um lado quanto de outro na luta que se avizinhava, botaria tudo a perder.

Na área de Rondonópolis, o MST estabeleceu algo parecido com um laboratório nacional para seus atos. A fazenda Aliança, invadida em Pedra Preta, é da família do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de São Paulo,Fábio Meirelles. No Alto Pantanal, em Santo Antônio de Leverger, no polo de Rondonópolis, um grupo invadiu uma fazenda do ex-ministro da Agricultura Antônio Cabrera Mano Filho. Coordenadores nacionais do MST, dentre eles Vanderly Scarabeli, alugaram casas em Rondonópolis e passaram a recrutar interessados. Grupos localizados também atuavam na região, e o maior era o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra da Região Sul de Mato Grosso, liderado por Jerônimo Gomes de Souza, o Jerônimo Sem Terra.

Era grande o risco de conflito tanto em Rondonópolis quanto na região. Os sem terra se sentiam fortalecidos com a simpatia do governador Dante de Oliveira por sua causa, pelo apoio recebido do bispo diocesano Dom Osório Stoffel, do senador Carlos Bezerra e do vereador Zé Carlos do Pátio.

Fazendeiros assustados tentavam se unir sob a liderança do Sindicato Rural de Rondonópolis. O clima estava muito tenso.

Uma liminar retirou os sem terra da fazenda Aliança e o MST acampou no Jardim Guanabara, em Rondonópolis, onde programou uma onda de atos para chamar a atenção nacional. Do ponto onde a rua Fernando Corrêa da Costa termina na BR-163/364, centenas de integrantes do movimento, armados com facões e foices, avançaram para o centro da cidade. Na mesma via, a manifestação parou diante do portão do grande armazém da Cibrazem, onde havia estoque de feijão. Discursos, palavras de ordem, cânticos e o tinir das ferramentas usadas como armas davam conta de que aquela unidade seria invadida e saqueada, e em seguida haveria saques em cascata de forma desordenada. O temor da cidade estava a um passo de virar realidade, tragédia.

Policiais militares do 5º Batalhão de Polícia Militar de Rondonópolis monitoravam o MST e acompanhavam seu deslocamento pela rua Fernando Corrêa da Costa. A um passo do arrombamento do portão, o oficial que comandava a tropa reuniu-se com uma comissão de sem terra. Em nenhum momento a conversa ficou tensa. Prevaleceu o diálogo e parte dos negociadores ficou ao lado da PM. Em silêncio, o grupo retornou ao acampamento no Jardim Guanabara. Rondonópolis respirou aliviada.

Com os ânimos exaltados, os sem terra não fugiriam de eventual confronto com a PM. Poderia ocorrer em Rondonópolis o mesmo que aconteceu em Eldorado do Carajás (PA) em 17 de abril de 1996, quando policiais militares e o MST se enfrentaram numa rodovia, o que deixou um trágico saldo de 21 mortos entre os manifestantes.

Em Rondonópolis, por sorte, a PM tinha à frente das negociações o coronel Carlos Souza, que foi amigo de infância e juventude, colega de escola e companheiro de futebol de vários sem terra. A habilidade profissional, a capacidade de diálogo e a relação do oficial com seus amigos de berço evitaram o confronto. A dissuasão ainda teve o reforço do professor Antônio Gonçalves Vicente, o Tati, que era liderança regional da esquerda e amigo do coronel. Tati tratou de reforçar o pedido de paz junto à cúpula nacional radical do movimento, ali presente. O recuo dos manifestantes foi recebido com sorrisos, lágrimas de felicidade e preces, por muitos, dos dois lados da questão, numa época em que o MST não costumava sequer respeitar interdito proibitório. Somente por esse ato, o coronel Carlos Souza teria que figurar na relação dos vultos mato-grossenses, mas ele também teve outros papéis importantes.

Ainda no campo do diálogo, o coronel Carlos Souza negociou com sem terra a desocupação da sede da Prefeitura de Juscimeira, que foi invadida. Os manifestantes ocuparam inclusive o gabinete do prefeito Ramon Itacaramby, nas deixaram o prédio sem causar nenhum dano.

Até 19 de novembro de 1992 oficial da Polícia Militar que respondesse a processo não poderia ser promovido. A promoção somente acontecia após o trânsito em julgado da sentença, uma vez absolvido. O coronel Carlos Souza articulou com o deputado estadual Moisés Feltrin, também de Rondonópolis, a mudança da lei, de modo a permitir a promoção independentemente  de ações judiciais em tramitação. A luta do coronel Carlos Souza teve o compartilhamento de outros oficiais e foi vitoriosa com a aprovação da alteração da legislação pela Assembleia e sua sanção pelo governador Jayme Campos.

Na carreira, Carlos Souza foi galgando patentes e enquanto coronel foi para a reserva remunerada. Permanece em sua cidade natal. É empresário e bacharel em direito. Em paz, com a consciência do dever cumprido em sua carreira e, de modo especial por ter evitado um confronto com o MST que poderia cobrir de sangue a cidade banhada pelo rio Vermelho, o coronel Carlos Souza caminha pelas ruas ao lado de ex-comandados e dos amigos de infância que participaram ou não do momento mais tenso na Terra de Rondon.

Infografia:

Marco Antônio Raimundo

Foto:

Comentários (2)
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  • Dulce Labio

    Grande mediador, um Diplomata 👏👏👏 parabéns Cel Souza

  • Dulce Labio

    Bela matéria, lindas histórias de nossa Rondonópolis 🥰