Euforia e sacanagem

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Centroavante, Pedro Lima, um dos fundadores e eterno diretor do Araguaia Esporte Clube, não tinha lá muita intimidade com a bola. Mas de vez em quando decidia jogar, nem que fosse por alguns minutos, no time principal do “Pantera do Leste”, a grande paixão de sua vida.

 

Quando o grandalhão Pedro Lima, que era chamado também de Pe¬dro Melancia, chegava à beira do campo e fazia sinal para alguém sair para ele entrar, não estava fazendo um pedido, mas, sim, dando uma ordem. E ninguém discutia, muito menos chiava por estar sendo substituído.

Acontece que Pedro Lima, que ganhou o apelido porque não podia ver caminhão parado em estradas vendendo melancia que parava para comprar e repartir a fruta entre os jogadores, era chefão do setor de fiscalização da Secretaria de Estado de Fazenda, e arrumava emprego para todo mundo. Principalmente como fiscal da Sefaz.

No início, o cara podia até pastar um pouco, sujeitando-se inclusive a limpar banheiro e passar pano no chão, mas com o tempo ia ficando como fiscal e se dando bem. Hoje, muitos jogadores que passaram pelo “Pantera do Leste” e trabalharam duro no início do emprego na Sefaz, vivem muito bem com gordas aposentadorias mensais superiores a R$ 8 mil.

Para Pedro Lima era uma honra jogar num time que tinha craques como Wilsinho, Ica, Tão, Zé Carlos, Dalvi, Viadinho, Totó, Escovinha, Veni e Itamar.

Em 1962, o AEC foi fazer um amistoso em Jataí contra a Jataiense. Nesse dia, muito especial para Pedro Lima, ele tinha que jogar mais do que uns poucos minutos: era a grande chance de sua vida de mostrar para a sua namorada Dorinha, que morava em Jataí, suas virtudes como jogador de futebol.

Pedro Lima entrou no início do segundo tempo e teve uma atuação impecável. Defendeu, armou jogadas, driblou, atacou, com uma disposição nunca vista. Sua atuação foi fundamental para o “Panterão” golear a Jataiense por 4×0.

Na segunda-feira, a delegação alto-araguaiense iniciou a viagem de volta. Para ficarem mais à vontade, os jogadores decidiram retirar a lona que cobria a carroceria do caminhão. Pedro Lima, um dos mais empolgados, tirou a calça, passando a exibir uma vistosa cueca do tipo samba-canção.

Logo depois do início do retorno, alguém descobriu que tinha esquecido alguma coisa no hotel onde a delegação ficou hospedada. Precisavam voltar, cruzando a cidade para chegar ao hotel. Afinal, não tinham pressa mesmo…

Para não ser visto de samba-canção desfilando sobre o caminhão por Jataí, Pedro Lima foi vestir a calça. Azar seu: algum sacana a tinha escondido.

Restou-lhe, então, uma saída: deitar de bruços no assoalho da carroceria até o caminhão deixar a cidade…
Mas aí pintou outra sacanagem: alguém cochichou com o motorista que começou a passar em alta velocidade pelos maiores buracos das ruas. E a cada sacolejo do caminhão, Pedro Lima subia lá em cima e caía de novo de barriga, como se estivesse exibindo sua bela cueca…

Para desespero e vergonha de Pedro Lima, o caminhão passou várias vezes pela rua onde Dorinha morava antes de chegar ao hotel e depois pegar o caminho de volta para Alto Araguaia. Decididamente, por dois motivos – sua grande atuação e depois a sacanagem dos seus companheiros – aquele jogo marcou para sempre a vida de Pedro Lima…

Nem sempre, porém, as coisas davam certas e Pedro Lima saía de campo fulo da vida. Como aconteceu em 1959, quando o AEC disputou dois jogos com uma seleção de Cuiabá, em Alto Araguaia. Na primeira partida, realizada sábado, o “Pantera do Leste” venceu por 2×1.

Na revanche, no domingo, o jogo estava empatado em 2×2, quando uma bola sobrou livre na pequena área da seleção cuiabana. No momento em que Pedro Lima ia mandar a bola para as redes, Wilsinho, com medo do companheiro errar o chute, deu-lhe um tranco e completou a jogada, dando a vitória por 3×2 ao seu time.

Pedro Lima ficou tão emburrado com a falta de companheirismo de Wilsinho que nem foi ao baile de confraternização realizado naquela noite. Mas não ficou nenhuma mágoa desse episódio entre os dois. Tanto é que tempos depois Pedro Lima e Wilsinho tornaram-se compadres…

PS – Reproduzido do livro Casos de todos os tempos Folclore do futebol de Mato Grosso, do jornalista e professor de Educação Física Nelson Severino