Barra do Garças; Pontal do Araguaia ao centro; e a goiana Aragarças (dir.)
Mato Grosso ao fio da navalha na saúde pública
Com 903 mil km² de superfície Mato Grosso tem 141 municípios, que em sua maioria formam pequenas comunidades, sendo que em apenas cinco a população supera 100 mil residentes. A densidade demográfica é de 3,66 moradores por km². Os 3.484.466 habitantes não conseguem ocupar os vazios demográficos aptos para a habitação – além disso, há enormes claros populacionais na imensidão alagável do Pantanal, áreas de floresta e cerrado preservadas por reservas legais e territórios indígenas. Esse mosaico social serve como exemplo comparativo pra se avaliar a extensão da pandemia do coronavírus no país. Figuradamente o número dos mortos pela doença supera isoladamente ao de habitantes de 120 municípios mato-grossenses. O Estado não tem estrutura hospitalar sequer para períodos ditos de normalidade, quanto mais pra esse ciclo pandêmico. Residir na quase continental Terra de Rondon é viver ao fio da navalha.
A primeira morte por coronavírus no Brasil ocorreu em São Paulo, no dia 17 de março; foi um homem de 62 anos, diabético e hipertenso, e que visitou a região da Lombardia, à época epicentro da doença na Itália. O Ministério da Saúde chegou a bater cabeça sobre o chamado paciente zero, mas finalmente reconheceu essa data. Em menos de três meses o número de óbitos disparou e a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o país como área problemática
Em Mato Grosso a primeira vítima fatal foi o gerente de supermercado Luiz Nunes, de 54 anos, hipertenso e diabético, que morava e morreu em Lucas do Rio Verde no dia 3 de abril. No boletim diário da noite de quinta-feira, 4, a Secretaria de Estado de Saúde revelou que 84 morreram vítimas da doença e que 3.388 estão infectados em 101 municípios. Várzea Grande registra o maior número de mortos: 16, seguido por Cuiabá (13) e Rondonópolis (nove). Cuiabá concentra a maior quantidade de contaminados recuperados, em isolamento ou internados em unidades de terapia intensiva e leitos: 975 seguido por Várzea Grande (324) e Rondonópolis (253).
A enfermeira Alessandra
A doença atinge grupos de risco formados por idosos, portadores de diabetes, cardíacos e obesos, mas contamina indistintamente.
Um bebê de oito meses da etnia Xavante, da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Vale do Araguaia, morreu no Hospital Regional de Água Boa
Os enfermeiros Athaide Celestino da Silva e Alessandra Bárbara, ambos do Hospital Adauto Botelho, em Cuiabá, também perderam a vida para o coronavírus, em maio; ele, no dia 2, e ela no dia 18.
O coronavírus ataca os meios políticos
Em 24 de abril, matou o subsecretário municipal de Saúde de Sinop, Wircicley Fonseca, de 45 anos, que lutou pela vida durante 23 dias internado em uma unidade de terapia intensiva naquela cidade.
Seo Sandu
No domingo, 10 de maio, o ex-prefeito de Ponte Branca, Sandoval Nogueira de Moraes, o seo Sandu, de 82 anos, morreu numa unidade de terapia intensiva em um hospital em Barra do Garças.
O deputado estadual Paulo Araújo (Progressistas), o prefeito de Juína, Altir Peruzzo (PT); o governador democrata Mauro Mendes e o prefeito de Vale de São Domingos, Geraldo Ramos (DEM) contraíram a doença; Araújo se recuperou, Peruzzo se isola por completo e Mauro Mendes e Ramos estão em isolamento domiciliar.
Em Cáceres, o ex-reitor da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), suplente de deputado federal e presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat), Adriano Silva, morreu em 3 deste mês, num hospital em Cuiabá, para onde foi levado naquele dia, após ter sido internando no Hospital São Luiz, em Cáceres, onde nasceu e seu corpo foi enterrado ontem; Adriano apresentou sintomas de coronavírus e o exame que atestará a causa de sua morte deverá ser divulgado hoje pelo Laboratório Central (Lacen), em Cuiabá.
Déficit de UTI
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem 150 unidades de terapia intensiva (UTIs) para pacientes com coronavírus e 124 estavam ocupadas ontem, quando infectados ocupavam 97 dos 733 leitos de enfermarias do SUS. Em caso de evolução de alguns casos da doença, de modo a transferir o contaminado, de enfermaria para UTI, haverá colapso. Somem-se a essa situação a possibilidade do surgimento de novos afetados com sintomas que exigem atendimento em UTIs.
Segundo a OMS o recomendável fora de situação pandêmica são três UTIs para cada grupo de 10 mil habitantes. Por esse parâmetro Mato Grosso precisaria de 366 e tem apenas 150 UTIs.
A falta de estrutura hospitalar concentra o atendimento aos pacientes nos polos regionais de saúde, a exemplo de Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Sinop, Sorriso, Alta Floresta, Colíder, Água Boa, Barra do Garças e Primavera do Leste.
Hospital Regional Paulo Alemão, em Água Boa
Mesmo nos polos de saúde a limitação hospitalar é fator complicador. Primavera do Leste tem 10 UTIs para atender uma população de 165.842 habitantes naquele e nos vizinhos municípios de Santo Antônio do Leste, Campo Verde, Paranatinga, Poxoréu, Dom Aquino e Gaúcha do Norte. Ou seja: em caso de agravamento da incidência da doença, o estrangulamento será inevitável. Primavera tem 153 casos, Dom Aquino (63), Dom Aquino (cinco) e Poxoréu, Paranatinga e Santo Antônio do Leste (dois cada).
Hospitais de referência em vários municípios estão em precárias condições. Não há política de expansão e capilarização da rede hospitalar. Recursos são improvisados via emendas parlamentares federais e estaduais. Prefeitos correm o pires em Brasília em busca de socorro. Instituições filantrópicas enfrentam dificuldades para o custeio de seus hospitais.
A pandemia assusta, mas a demanda por saúde pública vai além dela. Cirurgias eletivas foram desmarcadas, ambulatórios e clínicas praticamente baixaram as portas. Quando o coronavírus for triste lembrança haverá uma procura muito grande pelo atendimento ora reprimido – resta saber qual será a capacidade de pronta resposta, e pior, quantos doentes ficaram pelo caminho enquanto aguardavam pela mão salvadora do médico.
Em boa parte dos pequenos municípios não há hospitais e os pacientes são removidos para o hospital regional de referência. Contaminados em Nova Guarita, Nova Santa Helena e Itaúba recebem atendimento em Colíder; de Nova Nazaré e Cocalinho, em Água Boa; de Curvelândia, Mirassol D’Oeste e Rio Branco, em Cáceres; de São José do Povo, Pedra Preta, Itiquira e Alto Garças, em Rondonópolis; e de Araguaiana, General Carneiro, Torixoréu, Pontal do Araguaia e da goiana Aragarças, em Barra do Garças; Barra também atende paciente de outros municípios e tem apenas 20 UTIs, sendo 10 do SUS e igual número da cooperativa médica Unimed. O Doutor Ambulância é a tábua de salvação em todas as regiões.
O Hospital Metropolitano de Várzea Grande
Em maio o governo estadual inaugurou a ampliação do Hospital Estadual Lousite Ferreira da Silva ou simplesmente Hospital Metropolitano, de Várzea Grande, que tinha 28 leitos de enfermaria 10 UTIs e ganhou 180 leitos de enfermaria e 30 UTIs. Esse hospital é exclusivo para atendimento a pacientes com coronavírus, e sua obra, sem incluir equipamentos hospitalares, custou R$ 15 milhões, sem licitação, e foi bancada com R$ 10 milhões da gordurado duodécimo da Assembleia Legislativa e R$ 5 milhões desembolsado pelo governo.
O Hospital Metropolitano é uma gota d’água na Saúde Pública. Mato Grosso continua ao fio da navalha. Lamentavelmente há mortos, mas felizmente os números regionais estão abaixo da média nacional por estados, de 1.260. Somente o vizinho Mato Grosso do Sul tem menos óbitos: são 20.
Grupo de formandos em medicina da Unemat defronte a Matriz São Luiz, em Cáceres
O Estado não tem estrutura hospitalar nem pessoal quantitativo para eventual agravamento do cenário. Saúde aqui é tratada como jogo: ou se perde ou se ganha, sem sequer direito ao empate. E nessa disputa a sexta-feira, 5, começa com duas tristes notícias, para Mato Grosso: mais um óbito, em Sinop, que agora acumula quatro mortes, e outro, em Cuiabá, que salta para 14 mortos pela doença.
Alguns municípios sequer contam com um médico. Em meio a isso, um alento. Em 29 de maio, de forma antecipada, porém legal, o reitor da Unemat, Rodrigo Bruno Zanin, conferiu diploma a 30 alunos da quinta turma de medicina daquela universidade. Boa parte desses novos profissionais atuará em Mato Grosso, mas alguns retornarão para seus estados de origem.
Emanuel Pinheiro na vergonhosa cena do paletó
Enquanto isso, Mato Grosso convive com denúncias de superfaturamento em aquisições sem licitação para o enfrentamento da pandemia. Investigações apuram compras irregulares de produtos de limpeza e respiradores pela prefeitura de Rondonópolis, que é administrada pelo prefeito Zé Carlos do Pátio (SD); em nome da pandemia, a prefeitura inclusive comprou poltronas para acompanhantes de vítimas do coronavírus. Em Cuiabá também há suspeitas e o Ministério Público Estadual apura a locação de drones para desinfectar praças e terrenos, pelo polêmico prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), que se tornou conhecido nacionalmente pelo lamentável episódio do paletó, em que ele deixa cair dinheiro do bolso abarrotado de seu paletó – a dinheirama lhe foi entregue por Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete do à época governador Silval Barbosa. Silval e Sílvio em delação premiada ao Ministério Público Federal e homologada pelo Supremo Tribunal Federal disseram que se tratava de propina para Emanuel (então deputado estadual) fazer vistas grossas aos esquemas que haviam no governo.
Comparativo
Campo Verde: 44.041 habitantes
Em Mato Grosso, isoladamente somente 21 municípios têm mais habitantes do que o número de mortos pela pandemia no Brasil: 34.023. A quantidade de infectados no país, 614.941, supera a população de Cuiabá, 612.547 habitantes.
Outros 120 municípios, isoladamente não têm tantos habitantes quanto o número de mortos pelo coronavírus no Brasil.
O grupo dos 21 municípios é formado por Cuiabá 612.547 habitantes, Várzea Grande (284.971), Rondonópolis (232.491), Sinop (142;996), Tangará da Serra (103.750), Cáceres (94.376), Sorriso (90.313), Lucas do Rio Verde (65.534), Primavera do Leste (62.019), Barra do Garças (61.012), Alta Floresta (51.782), Pontes e Lacerda 45.436, Nova Mutum 45.378, Campo Verde 44.041, Juína 40.997, Colniza, com 38.582, Guarantã do Norte (35.816), Campo Novo do Parecis (35.360), Peixoto de Azevedo (34.976), Juara (34.974) e Barra do Bugres (34.966).
Redação blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Edevison Arneiro – Prefeitura de Barra do Garças
2 – Facebook de Alessandra Bárbara
3 – Álbum de Família
4 – Karen Malagoli – Site público da Assembleia Legislativa de Mato Grosso