A eleição indireta para a formação da lista sêxtupla destinada à vaga da advocacia no quinto constitucional não apenas encontra respaldo no texto da Constituição Federal, como representa uma das mais sólidas expressões da democracia representativa em funcionamento. Longe de se opor à participação democrática, o sistema consagrado em nosso ordenamento jurídico reflete a confiança do constituinte nos mecanismos institucionais e na maturidade das corporações de ofício, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil.
O artigo 94 da Constituição estabelece um processo deliberadamente indireto, dividido em três etapas institucionais sucessivas: cabe à OAB indicar uma lista sêxtupla, que será submetida ao Tribunal de Justiça — cujos membros não são eleitos pela advocacia —, e este formará a lista tríplice a ser encaminhada ao Governador do Estado, responsável pela escolha final.
Cada um desses atores exerce função própria e independente, compondo uma tripla camada de freios e contrapesos, que assegura equilíbrio, imparcialidade e respeito à separação dos poderes. O modelo não apenas respeita a ordem constitucional, mas traduz um juízo político-jurídico maduro sobre o modo adequado de selecionar membros do Poder Judiciário.
Esse tipo de estrutura — muitas vezes chamada apressadamente de “menos democrática” — é, na verdade, adotada pelas democracias constitucionais mais consolidadas do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente é escolhido de forma indireta, por meio de um colégio eleitoral, o que garante equilíbrio federativo entre os estados. No mesmo país, os juízes da Suprema Corte e das cortes federais são nomeados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, sem participação direta da população, da mesma forma que ocorre no Brasil.
Em nível estadual, embora haja eleição direta de juízes em diversos estados americanos, o modelo é alvo de críticas consistentes: politização das decisões judiciais, influência de financiamento de campanha, perda de independência, baixo envolvimento do eleitorado e desigualdade entre os candidatos. Tais críticas têm motivado, inclusive, debates internos nos EUA sobre a necessidade de reformar ou abandonar esse sistema (https://effectivegov.uchicago.edu/primers/elected-vs-appointed-judges).
O sistema brasileiro do quinto constitucional é único no cenário internacional e confere especial prestígio à advocacia, ao assegurar à Ordem dos Advogados do Brasil um papel institucional na composição dos tribunais. Nenhum outro país europeu adota modelo semelhante de indicação direta pela classe dos advogados. Em democracias consolidadas como Alemanha, França, Itália e Portugal, a composição das cortes superiores, constitucionais ou supremas é realizada exclusivamente por meio de indicações políticas ou institucionais, feitas por presidentes da República, parlamentos ou altas cortes judiciárias, sem qualquer participação direta da advocacia organizada e sem voto popular. Ainda assim, tais modelos são amplamente reconhecidos como legítimos, reforçando que a representação indireta, mediada por instituições democráticas, é compatível com sistemas judiciais independentes e respeitados.
No caso do quinto constitucional, a escolha dos nomes deve recair sobre advogados que preencham os requisitos constitucionais de 10 anos de exercício profissional, notório saber jurídico e reputação ilibada. Não se trata de uma disputa de popularidade, mas de uma avaliação técnico-institucional. É justamente nesse ponto que o voto direto entre os inscritos na OAB se mostra inadequado: ao transformar a escolha em campanha eleitoral, privilegia-se quem tem maior visibilidade, maior poder econômico ou maior capacidade de articulação em redes — e não necessariamente quem reúne as qualificações jurídicas e éticas exigidas.
Um modelo direto, ao abrir espaço para campanhas, introduz riscos concretos de desequilíbrio e exclusão. Em vez de promover uma maior inclusão, favorece um processo excludente, no qual apenas advogados com estrutura para sustentar campanhas conseguirão concorrer com viabilidade. Nesse cenário, a isonomia é comprometida e o ideal de justiça é substituído por estratégias eleitorais. Uma eleição direta nessas condições não será ética, nem justa, nem verdadeiramente democrática.
O Provimento n.º 102/2004 do Conselho Federal da OAB, que regulamenta o procedimento para formação da lista sêxtupla destinada ao quinto constitucional, prevê em seu artigo 10 a possibilidade de realização de consulta à classe ou ao público, admitindo um modelo híbrido de escolha. No entanto, o próprio dispositivo resguarda ao Conselho Seccional a competência final para homologar ou não os nomes escolhidos, preservando a deliberação institucional. Essa previsão, embora permita maior participação consultiva da classe, cria uma etapa extraordinária, que demanda estrutura, mobilização e recursos da OAB, sem garantia de que o resultado obtido será validado, podendo gerar frustração, desgaste institucional e até judicialização. Em última instância, o esforço empregado na organização da consulta pode ser frustrado por eventual não homologação da lista, gerando desgaste institucional, insegurança jurídica e expectativa indevida nos candidatos e eleitores.
É por isso que se deve valorizar o papel do Conselho Seccional da OAB, órgão eleito diretamente pela advocacia e estruturado de forma plural e representativa, com paridade de gênero e composição equilibrada entre capital e interior. O Conselho é expressão legítima da vontade da classe, e seus membros, eleitos pelo voto direto dos advogados, têm a missão de exercer essa representação de forma técnica, institucional e responsável.
A participação da advocacia, portanto, não está suprimida. O apoio a candidatos pode ser articulado de forma legítima e transparente junto aos conselheiros seccionais — representantes diretos da classe. Trata-se de um sistema que respeita a representatividade, assegura o debate e preserva a lisura e a qualificação técnica do processo.
Ademais, em sucessivos processos recentes, não se identificou mobilização significativa da base pela alteração do formato em favor do voto direto nesse processo. As propostas nesse sentido provêm de grupos localizados e, não raro, se apoiam em falácias sobre o conceito de democracia, confundindo sufrágio universal com legitimidade institucional. Defender a manutenção da eleição indireta não é se opor à democracia — é defendê-la em sua forma mais madura e institucionalizada.
Assim, preservar o modelo de eleição indireta é honrar a confiança que o legislador constituinte depositou na OAB e nos mecanismos republicanos. A eleição indireta — como atestam os mais diversos sistemas democráticos no mundo — é, sim, compatível com a democracia. E, no caso do quinto constitucional, preservar o modelo de eleição indireta é honrar a confiança que o legislador constituinte depositou na OAB e nos mecanismos republicanos. A eleição indireta — como atestam os mais diversos sistemas democráticos no mundo — é, sim, compatível com a democracia. E, no caso do quinto constitucional, é, portanto, o caminho mais seguro e responsável para assegurar que a vaga seja preenchida por quem realmente detenha as qualidades jurídicas, éticas e institucionais exigidas para o exercício da magistratura.
*Bruno Casagrande e Silva – Advogado. Doutor e mestre em Direito pela FADISP. Vice-presidente da ESA/MT. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) em Mato Grosso. Diretor-pedagógico da FAMUTUM. Professor de cursos de pós-graduação. Membro do IBDCivil, IBDFam, IBERC e do IAMAT
Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está bem com isso, mas você pode optar por sair, se desejar.
AceitarLeia Mais