Orgasmo cívico em Santarém e a COP30
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
eduardogomes.ega@gmail.com

Sábado carrancudo do dia 14 de novembro de 1970. As águas altas do azul Tapajós empurram o barrento Amazonas. Não se misturam e correm juntas rumo ao mar, mas a cada metro ganham intimidade, cumplicidade e se juntam. Sobre elas, em sentido oposto, os cascos das embarcações carregando militares do recém-criado 8º Batalhão de Engenharia e Construção (8º BEC) e máquinas para a abertura da Rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163) – é assim que a chamam por lá. Santarém, isolada na Amazônia e circundada pelo Amazonas e o Tapajós, está no cais, de braços abertos no melhor dos mundos para o santareno. Um orgasmo cívico toma conta da cidade: aquele momento significava o ponto de partida para sua integração ao Brasil, dentro do princípio do Integrar para não Entregar. Meninas órfãs do namoro – havia esvaziamento da juventude masculina que deixava o lugar em busca de emprego e ensino – deliravam e algumas mais ousadas, em grupo, abriram as blusas e tiraram os sutiãs.
…
Sites e blogs que não recebem recursos dos poderes e órgãos públicos aceitam colaboração financeira. Este blog, também, pelo PIX 13831054134 do editor Eduardo Gomes de Andrade
…
Hoje, as remanescentes das blusas abertas são respeitáveis bisavós septuagenárias ou octogenárias. Talvez nenhuma delas saiba o simbolismo de seu gesto. Santarém, com seus 361 mil habitantes e suas universidades, fecha-se num estranho moralismo numa terra caracterizada pela liberdade sexual e não toca nesse passado.

Busquei o exemplo santareno por tratar-se de uma cidade plenamente identificada com Mato Grosso e principalmente com seus setores agrícola e de transporte.
Aquele episódio distante foi um inconsciente e ousado gesto comemorando a conquista de uma logística de transporte que teria profundo reflexo no Pará, no vizinho Mato Grosso e consequentemente no Brasil como um todo.
Resgato o momento de conquista do povo santareno, de realização plena, há 55 anos, para contextualizar a Belém da COP 30, que pela segunda vez vive a plenitude da felicidade cívica – a primeira foi quando Juscelino Kubitschek a integrou ao sistema rodoviário nacional com a construção da Belém-Brasília, a rodovia que retirou do mar o famoso Ita que fazia cabotagem nos dois sentidos transportando paraenses e fluminenses. A grande conferência da ONU abre uma passagem ao mundo, para que o planeta inteiro tenha uma visão da Amazônia e de sua grande floresta tropical.

Que a COP30 seja para Belém o que é a Cuiabá-Santarém para o povo e a economia do Oeste paraense, onde Santarém é a referência urbana. Sem radicalismo e sem birra, o mundo precisa estender a mão para o status quo paraense que nesse caso representa a Amazônia não somente no Brasil, mas toda a sua extensão no Norte da América do Sul.
A rodovia BR-163 sonhada por Couto Magalhães e planejada por Juscelino Kubitschek leva o nome de Cuiabá-Santarém, por ligar as duas cidades, mas ela é mais que o elo de seus extremos na foz do Tapajós no Amazonas, e no Centro da América do Sul. Não é difícil compreender esta afirmação, basta olhar para Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Colíder, Alta Floresta, Marcelândia, Cláudia e dezenas de outras cidades em seu eixo de influência em Mato Grosso, e para sua condição de importante pilar da política de segurança alimentar mundial – e a isso soma-se ainda a transformação que sua abertura proporcionou ao Pará, onde o vazio demográfico foi substituído pela ocupação urbana e a atividade agropecuária em Novo Progresso, Trairão, Itaituba e outras localidades.

Perfeito
Parabéns meu querido amigo.
Não conhecia este teu lado poético.
Divino, o texto. Sempre me surpreendendo.