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Rio: encontro de escritores e artistas indígenas completa 20 anos

Cristina Índio do Brasil –  Agência Brasil

BRASÍLIA

O Encontro de Escritores e Artistas Indígenas completa em 2025 vinte anos, reunindo representantes de diversas etnias no Rio de Janeiro a partir desta quarta-feira (15) até a sexta (17) . 

Conforme os organizadores, a edição deste ano será a maior de todas e contará com a presença de mais de 30 escritores indígenas, além de artistas plásticos e de audiovisual e personalidades indígenas. A programação gratuita inclui rodas de conversa, poesia, oficinas de pintura, programação infantil, atividades educativas voltadas para a formação de professores e apresentações musicais.

Idealizador do evento, o escritor e educador Daniel Munduruku (foto de destaque) diz que celebra a ocasião como também uma comprovação de resistência, uma vez que celebrar vinte encontros no Brasil, “que normalmente perde a memória das coisas”, é uma vitória. Segundo o escritor,  o encontro começou com 12 escritores, e hoje são 150 autores indígenas produzindo literatura. São mais de 400 títulos produzidos por esses autores ao longo dos vinte anos.

“Isso também comprova que a literatura indígena está mais viva que nunca. Ela começou pequena vinte anos atrás e hoje se reafirma como uma escola literária. A gente falar dos vinte anos do Encontro de Escritores é falar de resistência, de resiliência e de uma contribuição permanente dos indígenas para pensar a identidade do povo brasileiro”, apontou Munduruku em entrevista à Agência Brasil.

O escritor acrescentou que o trabalho dos autores indígenas provoca influência nas políticas públicas. Como exemplo citou a aquisição de livros desses autores e da edição deles pelos governos federal, estadual e municipal.

“Tudo isso mostra que a literatura está presente e mais do que isso está influente dentro das políticas públicas que são geradas pelo Brasil. O próprio Ministério da Cultura acabou de lançar um edital em que traz um requisito da criação de livros e material para escolas, escritos por autores indígenas para ter uma certa equidade com a compra de outros autores. Isso mostra que a literatura está presente, continua viva e atuante”, relatou.

Outra condição que reforça esse pensamento é a renovação de gerações, uma vez que aumenta o interesse dos indígenas mais jovens pela produção cultural.

“Se a gente levar em consideração que os povos indígenas só foram considerados brasileiros legítimos em 1988 e olhar a participação que os indígenas exercem hoje na sociedade, a gente fica pensando como a sociedade brasileira deixou as populações indígenas de fora ao longo da sua história”, reflete.

“O indígena está presente hoje em todas as linguagens da arte, que vai desde as artes plásticas até a universidade na produção acadêmica, passando pela música pelo teatro, pela televisão com atores atuando em horários nobres, tudo isso é uma demonstração que sociedade está mudando e, com certeza, há uma contribuição que a literatura está fazendo para que isso aconteça”, ressaltou, lembrando que atualmente o escritor indígena Ailton Krenak é imortal da Academia Brasileira de Letras e da Academia Mineira de Letras e ele mesmo é membro da Academia Paulista de Letras.

Encontro

O encontro vai até sexta-feira, com atividades no Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, região portuária da cidade. No encerramento, sábado (18) na Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, os visitantes poderão se divertir com apresentações musicais, oficinas de ilustração, atividades para crianças, contação de histórias, roda de poesia e feira de artesanato e de livros indígenas.

Os ingressos para toda a programação da 20ª edição podem ser solicitados gratuitamente pelo site do Sympla.

A coordenação do evento é feita pela professora de literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF), Claudete Daflon, em parceria com a Coordenação de Pesquisa e Políticas Culturais do Museu Nacional dos Povos Indígenas (MNPI), em uma realização da Secretaria de Formação Artística e Cultural, Livro e Leitura (Sefli), do Ministério da Cultura (MinC), e apoio da Fundação Casa de Rui Barbosa, do Museu Nacional dos Povos Indígenas, órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), vinculados ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

“Por muitas décadas a questão do ser indígena e da pauta foi invisibilizada pela sociedade brasileira. Apoiar encontros de escritores, que estão trazendo através da sua escrita a memória, a cultura e tradição dos seus povos é trazer o fortalecimento dessa diversidade que temos em relação aos povos indígenas. É necessário também entender o encontro enquanto um momento de reparação e valorização da memória indígena”, disse a diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, Juliana Tupinambá, em entrevista à Agência Brasil.

“A gente também pode pensar que instituições que apoiam eventos como esse estão nada mais que cumprindo lei, pelo fato que temos a lei 11.645 pautada para a necessidade de espaços para a educação no país e falar da história afro-indígena do Brasil. É muito oportuno isso, porque hoje é 15 de outubro, considerado o Dias dos Professores, construir um evento pensando nas desconstruções de racismos e preconceitos contra povos indígenas”, completou.

A diretora ressalta que a sociedade brasileira precisa entender a diversidade do povo indígena. “Promover eventos não só como esse, mas com os indígenas, é também reconhecer que quem são os originários desse país, somos nós os povos indígenas. É entender que hoje não é mais o tempo de a gente invisibilizar os povos indígenas, porque se estamos vivenciando tantas situações como a crise climática, hoje, onde é uma percentagem maior de preservação do nosso verde e das nossas florestas? É dentro dos territórios indígenas”, pontuou.

Demarcação

Na visão de Juliana Tupinambá, atualmente, a ação dos indígenas não se resume em conseguir demarcar as terras no Brasil, mas é preciso também demarcar a academia, as produções visuais, a literatura, as artes plásticas, ou seja, tornar mais forte a presença dos povos originários em várias representações no país.

“Demarcar a academia, os espaços institucionais enquanto cargos de poderes, demarcar a política do Brasil, pois hoje temos deputadas indígenas mulheres, temos a ministra, tivemos várias secretarias nacionais indígenas. A gente demarca também esta escrita dentro da academia”, defendeu.

“A gente motiva a nossa juventude a ingressar também na academia com esse papel de entender esse legado de luta”, completou.

A professora de literatura da Universidade Federal Fluminense (UFF), Claudete Daflon, também defende maior presença de indígenas e das suas culturas na academia.

“A academia tem que escutar mais, aprender, se sensibilizar porque o conhecimento não é produzido unicamente na academia, uma instância importante de produção de conhecimento, mas ela não é a única instância. Ela precisa estar em processo de comunicação, aprender e ter uma escuta humilde para renovar os seus quadros e quando a gente pensa em Brasil, América Latina e no nosso histórico colonial, é fundamental, considerar o papel desses povos, culturas e grupos sociais no sentido de criar alternativas ao modelo social que é de destruição e extrativismo. Essa estratégia para mim passa pela formação de professores”, comentou.

De acordo com a professora, o aumento da presença de escritores e artistas indígenas na atualidade é resultado da maior visibilidade e espaço ocupado das suas manifestações culturais. “O que está mudando é o espaço que está se conseguindo conquistar. Eles estão conquistando. É muito menos concedido e muito mais conquistado. Os indígenas vêm produzindo cultura, arte, literatura, cinema e fotografia há algum tempo”, defendeu.

Espaços

Claudete Daflon destacou que uma preocupação da organização era garantir um espaço de protagonismo de indígenas que escrevem e produzem arte e livro e têm dificuldades impostas não só pelo próprio mercado editorial, como barreiras de um país continental, especialmente, para os que vivem em regiões fora dos centros urbanos.

“A gente tem indígenas dos centros urbanos, mas também tem uma série de biomas no Brasil, em um conjunto diverso, que são habitados por povos indígenas. Dentro dessa perspectiva, por exemplo, considerar que a gente tem convidados indígenas que começaram a viajar quinta-feira da semana passada para estar aqui hoje. São horas a fio de barco, depois tem que pegar algum transporte rodoviário para poder chegar a alguma zona metropolitana que tenha aeroporto”, apontou em entrevista à Agência Brasil.

A professora disse que essas dificuldades estão muito associadas aos desafios econômico, social e político de como criar estrutura para reunir estas pessoas. “Neste sentido, o poder público tem um papel que está representado por instituições de culturas de ensino e proteção aos indígenas e das lutas das causas indígenas. Dentro dessa confluência que a gente pensou neste encontro, que tem uma curadoria indígena, é protagonizado por indígenas, a identidade visual é de um artista indígena e nós não indígenas entramos como aliados. Isso é central na proposta de composição desse encontro”, completou.

Mesmo com as distâncias dos centros urbanos, os indígenas dessas regiões estão produzindo cada vez mais, o que fortalece a necessidade de espaço em eventos como este encontro. “Aí a relevância e a supra-importância da gente conseguir fazer com que essa produção tenha um espaço de difusão mais amplo, ao mesmo tempo que a gente promova esses momentos de encontros e trocas, porque a possibilidade de reunir tantos artistas que estão produzindo em seus territórios, que têm suas línguas, têm suas histórias próprias é também a possibilidade de tornar possível que eles possam fazer intercâmbios, fortalecendo as iniciativas, o trabalho deles nos territórios, as políticas que se voltem ao apoio a esses escritores e artistas”, avaliou.

Entre os participantes estão personalidades indígenas como o artista plástico e criador do Selo Editorial Picada, Gustavo Caboco; a advogada, escritora, arte-educadora e doutora pela Universidade de Leiden-Holanda, Fernanda Kaingang; o dramaturgo e escritor, Ademário Payayá; o professor, escritor e ilustrador, Jaime Diakara; a escritora Eva Potiguara; a poeta e artista plástica, Moara Tupinambá; o artista plástico e escritor do Povo Maraguá/AM, Uziel Guayné e lideranças indígenas como Marcos Terena, Catarina Tupi Guarani e Darlene Taukane.

Foto: Gabriel Ferreira/Divulgação

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