Boa Midia

Dorothy Stang, Chapéu Preto, Irmã Leonor, Minc, Blairo e troféus

Eduardo Gomes

andrade@eduardogomes

eduardogomes.ega@gmail.com

 

Nunca concorri a troféu que entidades e políticos criam para levar o jornalismo a produzir conteúdos que lhes agradem e encubram seus escândalos.

Nunca, por duas razões. Primeiro, porque reconheço minha limitação no comparativo aos colegas. Depois, porque esse tipo de promoção, na minha avaliação e salvo melhor juízo, violenta o princípio jornalístico.

Focalizo este tema, porque a Assembleia Legislativa acaba de promover uma noite de deslumbramento lançando o 1º Prêmio Jornalismo – Troféu Parlamento, que premiará reportagens que produzirem os melhores textos, fotos e vídeos sobre a atividade parlamentar.

É óbvio que somente serão aceitos conteúdos positivos. Nenhuma reportagem, por mais precisa, detalhista e isenta que seja não será aceita se versar sobre atos desabonadores da instituição e de deputados.


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Conheço bem a realidade desse tipo de troféu. Permitam-me narrar com fato análogo a essa premiação, onde estive no centro dos acontecimentos.

No governo de Blairo Maggi, também chamado de Era Maggi, de 2003 a 2010, o movimento ecológico internacional jogou todas as fichas possíveis para inviabilizar a economia mato-grossense, que ameaçava os interesses americanos. Atingi-la seria dar fôlego aos fazendeiros e as trades de Tio Sam, que mais dia menos dia não teriam como fugir da realidade da produção e produtividade do nosso cerrado. A maneira mais prática para derrubar a força do agro seria atingir Blairo Maggi, que o simboliza no plano internacional. Mas, não bastava o ex-guerrilheiro Carlos Minc dizer: “Se deixar, Blairo planta soja nos Andes”. Era preciso atingir Blairo e os demais, indistintamente.

No Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, em Anapu (PA), a religiosa católica Dorothy Mae Stang estava jurada de morte. O movimento ambientalista buscou em Mato Grosso analogia para as ameaças a Dorothy. Na Gleba Gama, em Nova Guarita, o pequeno pecuarista Sebastião Neves de Almeida, o “Chapéu Preto”, vivia às voltas com invasores de sua propriedade, que agiam sob a proteção da Irmã Leonor Brunetto, que liderava a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em Cuiabá, a Imprensa desancava Chapéu Preto e a cada dia pintava a irmã Leonor mais assassinada do que nunca, e claro, por Chapéu Preto. Rotineiramente lia os absurdos que escreviam. Um dia, voltando de Novo Progresso (PA), procurei por Chapéu Preto em Nova Guarita. Conversamos demoradamente e ele assegurou que nunca havia pensado em dar cabo à vida da religiosa. Depois da prosa ele estendeu a mão calejada e nos despedimos. Fiz uma matéria desmistificando a falácia sobre Chapéu Preto e Irmã Leonor.

A reação à minha matéria foi rápida (nesse trecho volto ao troféu da Assembleia). A CPT em parceria com ongs e instituições trabalhistas criou o Troféu de Direitos Humanos Irmã Leonor, que premiou uma jornalista e um repórter fotógrafo por uma reportagem sobre a religiosa com o pé na cova. Não me lembro ao certo, mas parece-me que a colega recebeu 20 mil e o colega 15 mil.

Quando se aproximava a data da premiação, houve tiroteio e sangue em Nova Guarita. Em 12 de outubro de 2005 Chapéu Preto foi atingido no abdômen por um tiro de calibre 22, quando vistoriava uma invernada em sua fazenda. A Polícia Militar prendeu três homens ligados ao MST:  Saul Jeferson do Nascimento, Gleiderson Cristiano Shimeng e Regivaldo Ferreira Pinheiro. A vítima reconheceu Regivaldo. Todos, absolutamente todos, estão em liberdade.

Avalio que o verdadeiro troféu é o texto responsável. Fiquei desgastado perante o ambientalismo e os inimigos de Mato Grosso por defender a verdade, que nesse caso tem nome: Chapéu Preto. Receber o Troféu Parlamento implica em permanecer calado sobre as emendas que foram destinadas à Secretaria Especial de Agricultura Familiar (Seaf) para compra de kits de ferramentas para agricultores familiares.

PS – A religiosa Dorothy Mae Stang foi assassinada no município de Anapu, em 12 de fevereiro de 2005. Porém, a analogia que se tentou criar aqui não deu certo, pois ninguém a quis assassinar e tudo não passou de uma armação dos inimigos de Mato Grosso contra um trabalhador apelidado Chapéu Preto, nesta terra de jornalismo amigo, alinhado e bem remunerado para tanto.

1 comentário
  1. Gabriel Padilha Diz

    Belo texto, exemplo de jornalismo integro.

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