Dia 15 de março ontem e hoje
Transcorridos 56 anos as razões mudaram, mas há motivos de sobra pra manifestação no próximo dia 15 deste março. Ontem, a ameaça real era o comunismo e a entrega do Brasil aos russos. Hoje, é a soma das mamatas com a corrupção.
Governador Valadares (MG), domingo, 15 de março de 1964. Manhã com sol forte. Tempo carrancudo anunciando chuva. No ar, forte tensão social. Um grupo liderado por Francisco Raymundo da Paixão, o Chicão, ameaçava levar adiante uma reforma agrária na lei ou na marra. Paralelamente a issso, na Praça 13 de Maio, um grupo de mulheres se reunia pra planejar uma reação feminina ao risco da comunização – foi o embrião da Marcha pela família com Deus pela liberdade que aconteceria quatro dias depois, em São Paulo. Também foi o sinal verde pra se enfrentar com armas em punho o grupo de Chicão – o que realmente aconteceu.
Brasil, hoje. a indignação popular se prepara para um grande protesto em Brasília, no próximo dia 15, para pressionar politicamente o Congresso Nacional e alertar ao Supremo Tribunal Federal que ambos estão na contramão da moralidade, da ética, da razoabilidade social e da responsabilidade pátria.
Ontem, em Valadares, vi a reunião das mulheres, na praça localizada no entroncamento das ruas Marechal Floriano, Arthur Bernardes e João Pinheiro, e que teve o nome mudado para Aurita Franco Machado – idealizadora do evento. (Dona Aurita era mulher do coronel PM Altino Machado).
Hoje, pela mídia e redes sociais acompanho os preparativos para o ato em Brasília.
Na minha modesta avaliação vejo fundamentação de sobra em ambos. No ontem, o mundo dividido pela Guerra Fria tinha um cenário que não é de fácil compreensão pela juventude que não viveu aqueles tempos. É preciso que se diga que o Brasil era um grande vazio demográfico fora do litoral e do eixo Rio-São Paulo, mas mesmo assim Chicão e seus pares queriam promover reforma agrária na lei ou na marra. O objetivo não era agrário, mas sim, ideológico. Daí a grande indignação popular nacional contra aquela absurda teoria e outras não menos graves, o que levou ao levante militar que depôs o presidente Jango Goulart.
Ainda avaliando modestamente fico ao lado do manifesto marcado para o dia 15. A Guerra Fria é página virada. Risco de comunização, nem pensar. O quê da questão é a corrupção desenfreada, o excesso de direitos, as mamatas, o empreguismo desenfreado. Judiciário e Legislativo chafurdam na mesma lama do Executivo, isso em todas as esferas, com exceções pontuadas aqui, ali e acolá.
“Há uma maioria de 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses.” Essa frase, dita em setembro de 1993 é do ex-presidente Lula da Silva e continua muito atual. Com ela, Lula expressava o que sentia sobre o Congresso.
Não se conserta o Brasil apenas com o protesto em Brasília, mas não se pode desconsiderar seus reflexos. A quebra das mordomias e da roubalheira somente acontecerá quando o movimento cívico ora proposto para um ato nacional descer às bases territoriais.
Como pensar num Brasil melhor somente com o protesto em Brasília, se em Cuiabá o silêncio conivente continua? É preciso trazê-lo pra tricentenária cidade de Moreira Cabral e levá-lo a todos os rincões nacionais.
É importante que se grite em Brasília contra o Congresso. Mas é preciso que se tenha em conta que em Mato Grosso a Assembleia e a maioria das Câmaras Municipais se lambuzam na dinheirama do duodécimo legal, mas imoral? Observem que na Baixada Cuiabana, até agora, reina o silêncio e não se ouve a voz rouca das ruas.
Quem protestará em Mato Grosso contra os R$ 59 milhões do duodécimo que azeita a engrenagem da Câmara de Cuiabá? Quem cobrará agilidade nas ações judiciais contra deputados estaduais e nas investigações sobre eles, incluindo o presidente Eduardo Botelho (DEM)? Quem botará a boca no trombone contra as mordomias do Tribunal de Contas do Estado (TCE) – apêndice da Assembleia -, que está em cena em busca de mais mamatas?
Que força terá o protesto contra o Supremo Tribunal Federal se em Mato Grosso é comum juiz e desembargador (membros do MP também) receberem vencimentos estratosféricos em nome de vantagens e direitos adquiridos?
Que poder terá o grito em Brasília contra o inchaço da máquina pública, se a Casa Civil (e seus penduricalhos) do governador democrata Mauro Mendes tem mais de 265 barnabés de ouro?
Que impacto moralizador terá o protesto em Brasília contra as imorais aposentadorias, o pagamento de pensão a filhas de militares, o acúmulo de aposentadorias e os auxílios que se incorporam ao salários, se em Mato Grosso o Fundo de Assistência Parlamentar (FAP) da Assembleia Legislativa, faz a farra financeira mensal de mais de 100 felizardos? Se o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) se aposentou por esse mesmo FAP aos 32 anos?
Observo que correntes de oposição tentam incriminar o presidente Jair Bolsonaro pela realização do ato previsto pra Brasília. Entendo que Bolsonaro é um líder nacional e político, e que nessa condição tem direito de se manifestar e, inclusive, de apoiar ou questionar esse tipo de evento, sem que seu posicionamento possa ser entendido como golpe. Vale observar que sobre esse episódio o presidente não se manfiestou publicamente, e que apenas o fez numa rede social restrita a um grupo a ele ligado.
A construção da casa começa pelo alicerce. Movimento político não se faz de cima pra baixo. Pra Mato Grosso participar com legitimidade do ato em Brasília será preciso que a manifestação na capital federal seja apenas o desdobramento de suas críticas intestinais, sem as quais seu papel será ridículo, vergonhoso e oportunista.
Gostaria de ver meu Mato Grosso de cabeça erguida, em Brasília, no próximo dia 15, do mesmo modo que vi minha Governador Valadares há 56 anos de dedo em riste enfrentando o presidente Jango Goulart e seu comunismo.
Lamentarei muito se Mato Grosso protestar em Brasília e se curvar ao silêncio sepulcral sobre os assuntos regionais na Terra do Marechal Rondon, Filinto Müller, Valdon Varjão, Archimedes Pereira Lima, Irmã Luiza, Ariosto da Riva, Irmã Vita, Ênio Pipino, Bruna Viola, Hortêncio Paro, Munefumi Matsubara, Norberto Schwantes, Gabriel Novis Neves, Padre Lothar, Paulo Japonês, Jorilda Sabino, Ricardo Guilherme Dicke, Padre João Henning, Liu Arruda, Olacyr de Moraes, Roberto Campos, João Balão, Maria Dimpina Lobo Duarte, Nhonhô Tamarineiro, Dario Hiromoto, Coronel José Meirelles, Frederico Campos, Bife e tantos outros.
A data de 15 de março de 1964 foi o dia em que Governador Valadares mostrou sua postura política contra o comunismo. Que o dia 15 de março de 2020 seja o momento de Mato Grosso se encontrar com a verdade protestando em Brasília, Cuiabá e nos polos regionais – e botando fim ao silêncio sepulcral conivente que lamentavelmente é uma de suas marcas.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista em Mato Grosso
FOTO: Meramente ilustrativa
Hora de introspecção e manifestação – Parabéns – Compartilhado aqui no ARaguaia