Boa Midia

UM NOME AO SENADO – Gisela Simona

Tempo é fábrica de esquecimento. Alguém já disse isso.

Quem se lembra do ponta-esquerda Mitu,  do Mixto, nos anos 1970?

Quem? Quem? Quem?

O passado está relegado ao seu tempo, no ontem. Mitu, porém continua em cena, não com seu dribles desconcertantes nem com seus cruzamentos perfeitos … nada disso, o craque Alvinegro da Getúlio Vargas  se chamava Hamilton Ribeiro de Souza  e está vivo entre nós por sua descendência que se formou a partir de seus filhos, que se destacam na figura da advogada Gisela Simona, uma negra cuiabana, de origem humilde, que ganhou Mato Grosso por sua retidão profissional na Superintendência do Procon, órgão ao qual chegou em 2002, sem apadrinhamento e por força de sua aprovação em concurso público. Gisela Simona (PROS)  é um dos nomes citados ao Senado, na eleição suplementar marcada para abril, por conta da cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, por 6 a 1, da chapa encabeçada pela senadora Selma Arruda (Pode) e composta com os suplentes Beto Possamai e Clerie Fabiana (ambos PSL), pelos crimes de caixa 2 e abuso de poder econômico.

Gisela, uma cuiabana negra ao Senado

Caçula da perradinha de cinco filhos do casal Arenil Maria e Hamilton,  Gisela Simona Viana de Souza tinha apenas 1 ano quando sua família ganhou nove filhos de uma só vez. Esse aumento familiar na verdade foi o maior gol marcado por seu pai, que em campo era  o craque Mitu, que tantas vezes levou a torcida ao delírio estufando as redes adversárias. Uma tragédia em família foi a razão para a filharada passar de cinco para 14. O tio de Gisela, Benedito Joel, sofreu um acidente vascular cerebral e não sobreviveu. A mulher de Benedito Joel, dona Ana Matildes, ao ser informada, não suportou o adeus do marido e seu coração parou de bater. Ficaram nove crianças na orfandade, porém nenhuma foi abandonada: todas foram acolhidas na condição de filhos dos tios Arenil e Hamilton.

Gisela cresceu num ambiente familiar onde todos sabiam que por serem pobres e negros teriam que enfrentar muitas barreiras. A cada raiar do dia recebia lições de vida. Seu avô tinha um pequeno rebanho bovino leiteiro nas imediações da Guarita, em Várzea Grande. Todos os dias cruzava o rio Cuiabá – que une as duas cidades – para vender leite nas ruas da capital.

Ao cair a noite, dona Arenil reunia a filharada para uma boa prosa. Certa vez ela revelou que morava em Várzea Grande e estudava na Escola Senador Azeredo, em Cuiabá. Sua família era muito pobre, e ela, para economizar fazia o trajeto da casa à escola, com os chinelos nas mãos. Guerreira, a mãe de Gisela conquistou diploma de Pedagoga, e agora, aposentada, tem mais tempo para continuar levando adiante seus ensinamentos familiares aos  filhos e netos.

Hamilton é uma saudade sem fim pra Gisela e sua família. Fato raro pra sua época, o craque Mitu quando deixava o gramado assumia sua identidade profissional de professor de História. Culto, aos 50 anos o professor Hamilton recebeu o canudo de advogado. Os pais de Gisela sempre se empenharam muito para que os filhos estudassem. Esse empenho responde em parte pelo perfil da filharada, que bem pode ser identificado como sendo uma família de educadores.

Filha de peixe, peixinho é. Gisela buscou no esporte a chave que abrisse a porta aos seus estudos. Por ser boa jogadora de basquete o Colégio Coração de Jesus lhe deu uma bolsa de estudos, Antes, em Várzea Grande foi aluna da Escola Municipal Joãozinho e Maria, que mais tarde ganharia o nome de Escola Municipal Professora Marilce Benedita de Arruda; de lá, se matriculou em Cuiabá na Escola Vicente Maria Botelho, de onde o basquete a levou para o Coração de Jesus.

Cáceres foi amor à primeira vista. Gisela desembarcou naquela bicentenária cidade para cursar Direito na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e carrega o orgulho – no melhor sentido possível – por integrar a terceira turma de formandos em Ciências Jurídicas e Sociais daquela instituição. Ao receber o canudo em 1999 se sentiu duplamente realizada: parte de sua caminhada até a beca e a foto de formatura foi aplainada pelo esporte, a exemplo do que aconteceu com seu pai; o diploma era o mesmo do seu ídolo, herói e fonte de inspiração.

O período em Cáceres foi gratificante não somente pelo curso. Naquela cidade, que é sede de um município maior do que Sergipe e tem intensa presença de bolivianos, por seu fronteiriça, Gisela aprendeu na prática regras de condutas entre povos distintos e conheceu a realidade econômica e os desníveis sociais na faixa de fronteira que se caracteriza pela absoluta ausência do Estado em muitas esferas. Na Unemat, sempre levantou a voz nas discussões acadêmicas. No Diretório Central do Estudantes brigou pelo reconhecimento do curso de Direito pelo MEC, e em nome dessa bandeira chegou a fazer greve de fome.

Faculdade à parte, era hora de trabalhar. Depois de tirar de letra o Exame de Ordem, Gisela foi aprovada em concurso público para a carreira de Conciliadora de Defesa do Consumidor, na esfera da carreira jurídica no Procon. Em 21 de fevereiro de 2001, o governador Dante de Oliveira lhe deu posse naquele cargo. À época Procon ainda era palavra meio estranha à população, mas aos poucos virou referência em defesa do consumidor. No batente diário Gisela se destacou muito. Jornais e TVs passaram a ouvi-la. Seu nome chegou ao principal gabinete do Palácio Paiaguás e em 2008 o governador Blairo Maggi a nomeou superintendente do Procon.

Blairo entregou o governo a Silval Barbosa, e Gisela permaneceu no cargo. Em janeiro de 2015 Pedro Taques tomou posse enquanto governador, e Gisela foi mantida, mas sua intransigente postura em defesa do consumidor desagradou Taques e outras figuras da classe política, por duas razões: a superintendente mexeu com grandes interesses nos setores de combustíveis e transportes. Políticos e empresários, juntamente com políticos empresários dos dois setores sentiam urticária ao ouvirem a palavra Gisela. Essas figuras pediram sua cabeça, o que foi prontamente aceito por Taques em março de 2017.

Palanque

 

Em 2018 o senador Wellingon Fagundes (PL) disputou o governo tendo Sirlei Theis (PV) em sua chapa enquanto vice. Gisela foi candidata a deputada federal numa das coligações de Wellington aos cargos proporcionais, a Força da União IV, formada pelo PR (agora PL), PRB, PP, PTB, PT, PODE e PROS.

Sem recursos para campanha e, em razão disso impossibilitada de percorrer a quase continentalidade mato-grossense, Gisela centrou sua campanha em Cuiabá e Várzea Grande. Foi a campeã de votos ao cargo em Cuiabá, com 33.762, e segunda colocada em Várzea Grande, com 11.750. Alcançou 50.682 votos ficando com a primeira suplência de sua coligação que elegeu Neri Geller (PP), Emanuel Pinheiro,o Emanuelzinho (PTB), José Medeiros (PODE) e Rosa Neide (PT).

Gisela recebeu o resultado com alegria. Foi sua estreia eleitoral e, na sua Cuiabá, além de receber a maior votação ao cargo, bateu Emanuelzinho, (27.376 votos). Emanuelzinho é filho do prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), e teve uma verdadeira máquina de campanha aos seus pés. Em Várzea Grande foi vice-campeã, com o vereador Ícaro Reveles (PSB) em primeiro com 14.004.

Novamente superintendente

 

No Procon, sem política: somente trabalho

Após as eleições de outubro de 2018 o nome de Gisela ganhou força política, principalmente em Cuiabá. Partidos passaram a considerá-la peça-chave na disputa da prefeitura neste 2020. Em fevereiro, o governador democrata Mauro Mendes a nomeou superintendente do Procon em substituição a Eduardo Rodrigues da Silva.

Memo sendo servidora do órgão e considerada exemplar em sua função, a volta de Gisela não pode ser considerada apenas procedimento administrativo. A máquina pública foi montada pra que os políticos exerçam plenos poderes sobre ela. O Procon é um órgão apolítico e funciona assim, mas a nomeação de sua direção passa pelo fígado ou o coração de quem governa.

Mauro Mendes fatiou seu governo com deputados e partidos. O PROS tem uma cadeira na Assembleia Legislativa com o deputado João Batista Pereira de Souza, que adota o nome parlamentar de João Batista do Sindspen, para facilitar sua identificação enquanto sindicalista do sistema prisional, que se faz representar pelo Sindspen.

O governador precisa de apoio parlamentar, e João Batista é estratégico por representar servidores públicos, que desde o governo anterior, de Pedro Taques, estão insatsifeitos por achatamento salarial, retenção da RGA, falta de realização de concursos públicos para algumas áreas em defasagem funcional pelo reduzido quadro, e agora, também pelo escalonamento de salários e sua quitação no mês subsequente ao trabalhado.

João Batista integra uma legislatura que se divide entre duas bancadas: uma,  situacionista crônica, independentemente de quem exerça o poder, e outra, de oposição confiável – que é onde ele legisla.

Cuiabá é uma cidade com forte presença de servidores públicos. Essa condição facilitou pra que aceitasse com naturalidade a nomeação de Gisela logo após sua participação na campanha de Wellington, que foi o principal adversário de Mauro Mendes. Justiça se faça e política à parte, o Procon tem a cara de Gisela e ela não leva pra  mesa de trabalho sua filiação partidária.

Emanuel, assim nasceu o apelido Paletó
Emanuel, assim nasceu o apelido Paletó

Em 10 de dezembro do ano passado, portanto nove meses após a nomeação  de Gisela para a chefia do Procon, a lenta Justiça Eleitoral cassou Selma Arruda ao julgar uma ação movida contra ela desde setembro de 2018 – antes da eleição. Com a degola da senadora o nome de Gisela despontou entre aqueles que poderão disputar a cadeira vazia no Senado.

Dentro e fora do PROS Gisela passou a ser paparicada para o Senado, inlcusive pelo deputado João Batista do Sindspen. O prefeito Emanuel Pinheiro viu com alívio esssa guindada, pois segundo figuras a ele ligadas, o prefeito mudava de cor quando alguém lhe dizia: se cuida que a Gisela vem ai!

Emanuel é candidato à reeleição com todas as letras, inclusive com o n, a, o e o til com que ele tenta esconder essa verdade. As negativas e saídas pela tangente do prefeito devem doer seu peito, porque ao nascer, ao invés de chorar, Nenel – é assim que os íntimos os chamam – gritou ainda enrolado ao cordão umbilical: votem em mim!

Em 2018 com o deputado João Batista do Sindspen

Pra concluir sobre Emanuel, seu vacilo verbal sobre a tentativa de reeleição é causado pelo escândalo mostrado em 2017  pela TV Globo num vídeo onde Emanuel (à época deputado estadual) aparece recebendo maços de dinheiro de Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete de Silval Barbosa, que governava Mato Grosso. Um dos maços caiu do bolso do paletó. A sabedoria popular o apelidou Paletó. Em delação premiada Silval sustentou que se tratava de pagamento de propina. Emanuel nega. Misteriosamente essa vexame é abafado na esfera forense.

Pra ficar livre dela, Emanuel quer Gisela ao Senado. O PROS também a quer. Há muita manifestação popular por seu nome. Caciques políticos cuiabanos e várzea-grandenses  torcem o nariz pra ela, por temerem sua votação nas duas cidades, o que poderia jogá-los no buraco.

Gisela a menina pobre, jogadora de basquete, filha de uma pedagoga com um jogador de futebol que virou professor e advogado, é referência na área dos direitos do consumidor. Ela também mostrou que é boa de votos, mesmo fazendo campanha franciscana.

Quando se fala na eleição suplementar com Gisela, seus olhos brilham ainda mais e sua pronúncia carregada pelo cuiabanês com a língua levemente presa vira melodia sem perder o soque – do qual tanto se orgulha – e ela diz que é hora de Mato Grosso eleger uma negra ao Senado.

Caso dispute o Senado Gisela o fará em pé de igualdade com os principais nomes. Se optar pela eleição de outubro pra prefeitura estará com a faca e o queijo nas mãos pra administrar a cidade que um dia seu pai, o craque Mitu, encantou com seus dribles e gols.

 

PS – Esse é o oitavo capítulo da série UM NOME AO SENADO. Leiam os anteriores:

1 – UM NOME AO SENADO: Sirlei Theis

2 – UM NOME AO SENADO: Waldir Caldas

3 – UM NOME AO SENADO – Neri Geller

4 – UM NOME AO SENADO – Nilson Leitão

5 – UM NOME AO SENADO – José Medeiros

6 – UM NOME AO SENADO – Maria Lúcia

7 – UM NOME AO SENADO – Carlos Fávaro

Continuem acompanhando a série – única postagem que focaliza os virtuais candidatos ao Senado na eleição suplementar em abril.

 

Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Agência Senado

2 e 5 – Flickr de campanha

3 – Mayke Toscano no site público do Governo de Mato Grosso

4 – Sobre imagem da TV Globo em 2017

 

 

 

 

 

 

 

2 Comentários
  1. Gisela Simona Diz

    Obrigado pela fidelidade da pesquisa Brigadeiro. Pela forma que trata com respeito todos nós que estamos iniciando essa vida política. Que Deus dê sabedoria a todos os mato-grossenses para fazer um voto consciente nas próximas eleições.
    Gisela Simona – Cuiabá – via grupo de WhatsApp Boamidia

  2. Antônio Wagner Diz

    Ótimo artigo. Muito fiel a história dessa líder inconteste. Boa sorte e muita força nesa caminhada. Há muito a ser construído sobre as pautas que defenderá e coo isso se dará num partido de centro, mas que tem decepcionadopelo fisiologismojunto ao Congresso Nacional e ao poder central/federal. Mas, indiscutivelmenteé uma figura generosa e decente, a quem respeito muito. Gosto muito pessoalmente. BOA SORTE. Deus a abençoe.

    ANTÔNIO WAGNER OLIVEIRA – advogado, presidente em exercício da Central dos Sindicatos Brasileiros em MT e membro do Fórum Sindical dos Servidores Públicos do Estado e do Observatório Social de MT

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