O desafio do Secretário de Cultura
Em entrevista recente, o Secretário Estadual de Cultura toca em ponto sensível não apenas da administração da pasta que dirige mas particularmente da politica cultural do Estado. Diga-se, porém, que não se trata de uma situação atual. Ao lado da permanente e insolúvel questão da restrita dotação orçamentária, permeia a má aplicação desses escassos recursos. Allan Kardec trata da destinação de não poucos recursos aos eventos festivos. Está claro que os problemas da administração cultural não se resumem a esta questão exclusiva, mas nela fiquemos por enquanto.
Desde sempre considerei que, com pouquíssimas exceções, a alocação de recursos com esses objetivos trata-se de uma imperdoável disfuncionalidade. E não estou me referindo ainda ao aspecto de ordem administrativo e penal que aí subsiste, como as recorrentes não prestação de contas, da não realização conforme garantido no projeto aprovado e, o que é mais grave, a pura e simples malversação e desvio do recurso. Tudo isso já aconteceu em várias ocasiões. Mas vamos ao que disse o Secretário, em declaração que recebi com satisfação, de que se posiciona contra essa prática tradicional. Embora faça a ressalva de que o investimento em aniversários de municípios, em festa de peão de boiadeiro, de santos, em carnavais na época ou fora de época etc, gera emprego e renda graças a lotação dos hotéis e gastos gerais dos turistas no comércio local. Refere-se ao fato de que a maioria desses recursos é proveniente das chamadas emendas impositivas a que os parlamentares têm direito. Para enfrentar essa prática, de indiscutível fundo eleitoreiro, muito objetivamente se propõe a “sensibilizar os parlamentares”, apresentando-lhes “os programas permanentes de Cultura que o Estado os tem como prioridade.” Será o suficiente?
Venho fazendo esse tipo de observação já há alguns anos. Em junho de 2017, por exemplo, quando o então Secretário de Cultura assinava convênios com os municípios de Guarantã do Norte e Nova Lacerda [Convênio 0637 – 2017/SEC] para a realização de rodeios e shows de artistas nacionais no valor de mais de trezentos e dez mil reais, além de um anterior com Brasnorte no montante de 450 mil, enquanto nessa mesma ocasião, como parte dos festejos dos 150 anos, Várzea Grande recebia um total de 586 mil reais, para a apresentação de Chitãozinho e Xororó, entre outros menos famosos. Tudo estaria normal, já que são dos melhores na área do canto sertanejo, mas isso se o dinheiro fosse daqueles que pagaram para assisti-los. Mas não. Os recursos que o trouxeram, segundo se comenta para um show de pouquíssimo público, foi dinheiro público. Do Estado. Da Secretaria de Cultura. Apontei então que, enquanto isso, os premiados no Concurso Literário reclamavam o não recebimento de seus prêmios, além do fato de vários outros projetos já aprovados, não tinham tido a liberação das verbas correspondentes. Estes são exemplos emblemáticos.
Nada contra as comemorações e festividades desses municípios, todos constituídos por um povo laborioso e digno das melhores tradições mato-grossenses. O que se discute aqui são duas questões. A primeira, a da não aplicação de recursos, já escassos, em atividades fundamentais e permanentes tais como a publicação de livros, a constituição de bibliotecas comunitárias, a realização de concursos literários, o incentivo ao teatro, às artes plásticas, a dança, o folclore, à leitura. A outra questão: esses eventos, todos eles, não estão mais adequados na área do turismo?
Tendo em vista os fortes interesses que envolvem tais eventos, para conseguir o louvável intuito a capacidade persuasiva do Secretário, além de redobrada, terá que agregar outras forças. Como é sabido, as verbas são destinadas a esses eventos por razões muito superiores à própria comemoração em si. Elas refletem o “resultado” do prestigio e representará a propagação do nome que o “donatário”, como “patrocinador”, certamente irá angariar junto ao prefeito, vereadores, Portanto, além da persuasão, o Secretário terá que ter forte determinação. Arraigados costumes são óbices [quase] intransponíveis. Pelo menos num primeiro momento.
Allan Kardec está diante de um grande desafio. O Secretário precisará de apoio não só na Assembleia, mas no governo e na comunidade dos que lidam com a cultura. Oxalá, tenha êxito.
Sebastião Carlos Gomes de Carvalho é advogado e professor. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras e da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
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