Pessoas com deficiência física criticam falta de acessibilidade

O universitário Paulo César de Jesus, 31 anos, enfrenta vários desafios para se deslocar pela cidade de São Paulo. Usuário de cadeira de rodas há cinco anos, quando teve uma lesão medular por ferimento de arma de fogo, ele tem que sair de casa com horas de antecedência para não perder os compromissos. Morador de Santo Amaro, bairro localizado no extremo da zona sul da capital paulista, Paulo faz fisioterapia duas vezes por semana na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), na Vila Mariana, na região centro-sul, além de frequentar a faculdade de psicologia na Avenida Interlagos, zona sul.
Ele conta que a falta de acessibilidade, os obstáculos e as barreiras nas calçadas são o que mais dificultam o deslocamento pela cidade. “O pior das calçadas é justamente as calçadas. Em muitos locais, como hospitais, universidades, para chegar até eles têm subidas, às vezes o local até tem acessibilidade, mas para chegar têm obstáculos”.
A reportagem da Agência Brasil acompanhou o trajeto de Paulo até chegar a AACD, instituição referência em ortopedia há 69 anos no Brasil. Ele sai de casa com três horas de antecedência para não perder o horário da fisioterapia. O primeiro obstáculo já é enfrentado antes mesmo de chegar na parada de ônibus. Paulo mora numa viela e precisa passar por uma rampa bastante inclinada para chegar até a rua.
“Essa rampa é um pouco íngreme, eu consigo subi-la sozinho às vezes, eu subo de costas, mas já caí uma vez, então eu prefiro pedir ajuda para evitar. A rua é bem estreita porque tem muitos becos e muita gente deixa o carro na rua, dificultando passar”, afirmou.
Ele carrega ainda uma órtese, utilizada para fazer a marcha terapêutica, o que dificulta ainda mais o deslocamento.
Na parada de ônibus, Paulo precisa aguardar uma condução que seja adaptada para deficientes físicos. “Às vezes o que passa na hora não é adaptado, aí tenho que esperar o próximo”, frisa. De acordo com informação disponível no site da prefeitura de São Paulo, mais de 50% dos ônibus de transporte coletivo da capital paulista são adaptados para pessoas com deficiência.
À noite, quando vai estudar, Paulo usa o Atende – transporte gratuito destinado às pessoas com autismo, surdocegueira ou deficiência física severa. O serviço, oferecido pela prefeitura, busca Paulo na porta de casa e faz o trajeto de ida para a universidade. Paulo conta, entretanto, que costuma vivenciar situações constrangedoras.
“O tempo de me colocar na van e colocar o cinto demora, nisso faz um trânsito enorme, e tudo isso já gera um stress no horário de pico e trava a rua toda”, destaca.
O serviço atende apenas até as 20h e, para voltar da faculdade, ele precisa, novamente, pegar um ônibus. Paulo reclama da falta de empatia e do desconhecimento dos motoristas sobre normas que ajudam a vida dos cadeirantes.
“O ponto é numa descida, mas eu peço para os motoristas pararem na curva, mais perto da minha casa. Tem uma lei que permite que o motorista pare fora do ponto, mas eles não conhecem essa lei, então eu tenho sempre que ficar argumentando e debatendo e eu acho que não deveria passar por isso, porque é uma necessidade, não é um luxo”, destaca.
“Essas são as maiores dificuldades pelo local onde eu moro: a questão do transporte, chegar até o ponto do ônibus e também pela rua ser estreita”, lamenta.
Vida de estudante
Paulo afirma que, em geral, os locais não pensam na necessidade de locomoção das pessoas, em especial, as que têm mobilidade reduzida.
“Na minha faculdade é zero acessibilidade, as pessoas me ajudam, mas é isso: se eu preciso de ajuda é porque não tem acessibilidade, é a necessidade de ajuda que caracteriza a deficiência, caso contrário eu só teria uma impedimento de mobilidade física, mas se eu posso circular sem precisar de ajuda de ninguém eu não tenho deficiência. O tempo todo eu sou lembrado que eu tenho essa limitação, pela falta de acesso. Lá não tem elevador, não tem rampa, não tem bebedouro, não tem espelho, não foi pensado para mim”.
O estudante critica ainda a falta de acessibilidade nos espaços públicos. “É tudo feito pela metade, as pessoas fazem sem escutar a gente”. Ele cita, como exemplo, a principal avenida da capital, a Paulista. “Todo mundo fala que a Avenida Paulista é acessível, mas para se passar de um quarteirão para outro não é, as rampas são íngremes, então ela não é totalmente acessível como as pessoas falam”.
No Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, lembrado hoje (21), o universitário pede que as pessoas se conscientizem sobre a acessibilidade. “Uma pessoa que não tem deficiência não vai perceber, porque ela é ‘cega’ nesse sentido. A minha deficiência é adquirida, eu também não via essas coisas e hoje eu vejo. Acho que deveria haver uma conscientização não só para quem é deficiente, mas também para a sociedade, porque todo mundo precisa aprender, afinal são 45 milhões de pessoas com deficiência, quase 25% da população”, reforça.
Calçadas acessíveis
Paulo é um dos 45 milhões de deficientes do Brasil, segundo o último Censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que enfrentam diariamente os obstáculos da vida e das calçadas. Em São Paulo, um projeto tenta minimizar os desafios diários de quem se locomove pelas calçadas da maior cidade do país. Lançado em julho pela prefeitura de São Paulo, o Plano Emergencial de Calçadas prevê o investimento de R$ 400 milhões até o final de 2020, contemplando uma área de 1,2 milhão de metros quadrados, correspondente a aproximadamente 25% da área de calçamento em todo o município.
As 32 subprefeituras da cidade terão, em média, três pontos de obras, nos quais serão instalados piso tátil e rampas. As calçadas deverão ter faixa livre exclusiva para a circulação de pessoas e não possuir desníveis, obstáculos temporários ou permanentes. Deverão ter superfície regular, firme, contínua e antiderrapante, além de possuir largura mínima de 1,20 metro.
Uma das áreas já contempladas é a região onde fica a AACD. A prefeitura realizou a reforma de calçadas na rota acessível dos hospitais que ficam na Vila Mariana. Segundo a prefeitura, o critério para reformar uma calçada é o fluxo de pedestres, assim como a presença de equipamentos públicos como hospitais, escolas ou comércio. A proposta visa uma padronização para melhorar a mobilidade e qualidade de vida dos munícipes, direcionando para o pedestre, no mínimo, 50% da área da calçada.
A região conta com o Hospital Edmundo Vasconcelos, Hospital do Rim, Hospital São Paulo, Hospital UNIFESP, Hospital da Graac, a AACD, a APAE, entre outros. O local também conta com três estações de metrô: AACD, Hospital São Paulo e Santa Cruz.
Para a coordenadora de reabilitação infantil e adulto da Terapia Ocupacional da AACD, Lina Silva Borges Santos, as calçadas da região da AACD estão adequadas, mas ela lembra que deverão passar por manutenção constante para oferecer segurança às pessoas com deficiência. “Pode ser que daqui a pouco as calçadas precisem de um reparo, [se não houver manutenção], aí tem uma falta de segurança com relação às pessoas com deficiência. Já o restante das nossas calçadas precisa ser reformada”.
Na opinião da terapeuta ocupacional, “as leis existem, mas muitas vezes elas são não efetivas”. Ela justifica: “Para as pessoas com deficiência no Brasil não é fácil sair de casa, nunca foi. Tem mais de 20 anos que a gente tem uma lei que fala das calçadas, só agora está mudando, e em alguns locais. São Paulo é muito grande, eu concordo. Mas Curitiba (PR) e Uberlândia (MG) são as duas cidades que estão quase modelos nessa questão da acessibilidade porque eles estão de fato pensando no coletivo”.
Lina cita a Lei Federal 10.098/2000 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida no país.
A coordenadora cita outros desafios para a pessoa com deficiência. “Há o desafio de inserção na escola, no mercado de trabalho e também para que a pessoa tenha uma vida social como qualquer um de nós. Queremos que essa pessoa entre no cinema, se locomova bem nas ruas, pegue um transporte público, então esse é o desafio, que ele tenha essa oportunidade de usar tudo que que gente faz em termos de reabilitação na vida social”.
Direito de ir e vir
Morador de Ribeirão Preto (SP), município a 315 quilômetros da capital, o universitário Samuel Davi Curi, 19 anos, frequenta a AACD a cada três meses. Ele nasceu com paralisia cerebral e broncodisplasia. Para se locomover, ele usa a cadeira de rodas, mas ainda depende da mãe para ajudá-lo. “Para eu andar sozinho é um risco, porque se eu caio e não tenho ninguém para ajudar. Para mim, isso atrapalha o nosso direito de ir e vir que está previsto na Constituição. Não temos liberdade, ficamos reclusos a determinados ambientes. Você deixa de ir a outros lugares porque não tem acesso”.
A mãe de Samuel, Carmem Silvia Gimenez, conta que já se acidentou com o filho em um rebaixamento de guia inadequado. “A guia era acima de 1,5 cm e a roda da frente da cadeira bateu, ele virou e caiu próximo a um sinaleiro. Quando conseguiram me acudir, fiquei tão nervosa que sentei na calçada para chorar. A gente não espera que esse tipo de coisa vá acontecer naquele movimento, foi assustador e revoltante.”
Para Samuel, as pessoas com deficiência deveriam ser mais ouvidas. “Muito se fala em inclusão, mas não escutam os deficientes, seja ele qual for, nós não temos esse espaço hoje em dia. Eu desejo que o cidadão que não tem deficiência tenha um pouco mais de educação na área inclusiva, porque hoje em dia existe muito preconceito, eu e minha família já passamos situações muito incômodas, de discriminação mesmo.”
Assim como Samuel, o auxiliar de farmácia Donner Rafael Vieira, 24 anos, frequenta a AACD desde criança. Ele nasceu com má formação congênita que atingiu os dois pés e a mão direita. Ele saiu ainda bebê de Belém, no Pará, para fazer tratamento em São Paulo. Ele critica as pessoas que não respeitam os assentos preferenciais no transporte público.
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