GRAMPOLÂNDIA: Reinterrogatório afasta abafa e mula sem cabeça

Dois anos e dois meses. Esse é o tempo de espera por Mato Grosso pra que justiça seja feita. Justiça no criminoso esquema apelidado pela sabedoria popular Grampolândia Pantaneira. Justiça, porque mesmo com robustas provas documentais, com mea culpa, com toda forma possível de cruzamento investigativo e tentativas de delações premiadas, transcorridos 26 meses desde o domingo, 14 de maio de 2017, quando a TV Globo exibiu no Fantástico o vergonhoso caso recorrente de gravações telefônicas de autoridades e personalidades mato-grossenses, por meio do artifício conhecido no mundo do crime por barriga da aluguel, ninguém foi sequer julgado. E pior: o que vazou para a Imprensa foi algo insosso – nada além da cintura pra baixo. como se tratasse de um caso ao estilo mula sem cabeça. Esse caso acaba de sofrer um revés forense: o Ministério Público (MP) descartou delações premiadas e ao invés de acontecer o fechamento do cerco sobre os supostamente envolvidos, MP e Judiciário trocaram farpas sobre essa vergonha – não tão discretamente. Apesar da morosidade, o reinterrogatório de três réus, nesta semana é alento para a população, que atônita, há quase dois anos ouviu o desembargador do Tribunal de Justiça, Orlando Perri, dizer que mais de 70 mil grampos atingiram a cidadania na terra do Patrono das Comunicações, o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Mais e melhor: o reinterrrogatório afasta o risco do abafa e exorciza a mula sem cabeça que dá o tom ao caso.
Triste resumo dessa ópera, que a reportagem mostra em detalhes: réus confessos querem delatar, mas o MP refuga. Como se trata de ação em segredo de justiça fica difícil saber exatamente o que se passa. Porém, em off, advogados, políticos, jornalistas e muitos outros que bebem água dizem que o MP teme que os coronéis da PM Zaqueu Barbosa e Evandro Lesco, e o cabo da mesma corporação, Gerson Corrêa delatem procuradores e promotores por supostamente terem se aproveitado de gravações criminosas para apurarem informações que poderiam ter alimentado inquéritos que teriam coroado pirotécnicas operações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) sobre transações de políticos.
Os três serão reinterrogados nos dias 16 e 17 deste julho, pelo juiz da 11ª Vara Criminal Especializada em Justiça Militar, Marcos Faleiros, Em 21 de março deste ano, Faleiros acatou pedido da defesa dos policiais militares e marcou o reinterrogatório dos mesmos. A sentença será proferida em 16 de agosto. Zaqueu é réu por falsificação ideológica de documento público, falsidade ideológica e realização de operação militar sem ordem superior. Lesco, por operação militar sem autorização de ordem superior. Gérson Corrêa por falsificação de documento público e falsidade ideológica.
Em síntese: os três, juntamente com outras figuras da Segurança Pública teriam participado do esquema Grampolândia.
Afinal, o que foi Grampolandia: um perverso esquema de escutas telefônicas criminosas recorrentes, feito por figuras de proa do então governador Pedro Taques, em telefones de jornalistas, médicos, advogados de adversários dele na campanha ao governo, de assessores do governo, da deputada estadual Janaína Riva (à época PSD e agora MDB) e de outras autoridades e personalidades.
Quem gravou? – Parte da cúpula da Segurança Pública, entre setembro de 2014 e maio de 2015. Nenhum dos acusados tem militância política. Coincidentemente ou não, os que foram gravados, de algum modo, cruzavam os caminhos políticos de Pedro Taques. Depois de muito isentar Pedro Taques, o cabo Gérson Corrêa o apontou como chefe do esquema, juntamente com seu primo, Paulo Taques, que coordenou sua campanha e foi chefe da Casa Civil.
Reinterrogatório

Pouco antes de escolherem a última refeição, o coronel Evandro Lesco e o cabo Gérson Corrêa, ambos da Polícia Militar, pediram para serem novamente interrogados. O juiz da 11ª Vara Criminal Especializada em Justiça Militar, Marcos Faleiros, acatou os dois pedidos, marcou data para ouvi-los e adiou o julgamento de ambos no caso Grampolândia. Lesco e Gérson ganham refresco. Pedro Taques pode ser duramente atingido pela nova versão do caso, que será dada a Faleiros.
Grampolândia Pantaneira foi o maior atentado contra a cidadania no Brasil em período democrático. Esse crime consistia na gravação de telefones de desafetos e adversários de Pedro Taques. O cabo Gérson é réu confesso sobre gravações. Lesco, até então, tirou o corpo fora, muito embora tivesse admitido que emprestou dinheiro para compra de engenhocas utilizadas para os grampos.
O que Lesco e Gérson disserem em juízo não deverá acrescentar nada ao envolvimento ou não dos até agora citados. Se os depoimentos apontarem para Pedro Taques, Grampolândia Pantaneira ganhará cabeça, coisa que até agora não tem, como se tratasse de uma lenda da mula sem cabeça.
Após o juiz aceitar o reinterrogatório do coronel Evandro Lesco e do cabo Gérson Corrêa, o coronel Zaqueu Barbosa também pediu para ser reinterrogado. Faleiros aceitou.
(Memória) A denúncia antiga
MATO GROSSO 14 DE MAIO DE 2017 – O Fantástico exibe uma reportagem mostrando que a Polícia Militar fazia gravações telefônicas clandestinas usando o artifício chamado barriga de aluguel para conseguir autorização judicial para as escutas. O escândalo ganhou o nome de Grampolândia Pantaneira e abalou a estrutura do governo, apesar da blindagem jornalística ao então governador Pedro Taques. Esse rumoroso caso tem personagens subalternos e intermediários, mas até agora não chegou a Pedro Taques
Nunca um escândalo de tamanha dimensão foi tão mula sem cabeça quando o dos grampos em Mato Grosso. Tudo e mais um pouco aponta que o chefe desse crime seria o então governador Pedro Taques (PSDB), sem prejuízo da presunção da inocência e também respeitando suas negativas sobre o caso: “não sabia”, “não ouvia”, “nem sentia nada” sobre o que sua cúpula policial e a Casa Civil faziam recorrentemente.
Nesse episódio, a exclusão de Pedro Taques é ainda mais facilitada pelas reportagens que se multiplicaram detalhando situações da arraia-miúda, como se tudo aquilo não tivesse acontecido no cerne do governo chefiado por Pedro Taques.
O varejinho
Entrar no varejinho não acrescenta ao material.

Fora do varejinho é interessante informar que em depoimento aos delegados Flávio Stringueta e Ana Cristina Feldner, da Polícia Civil, o cabo da PM Gérson Luiz Corrêa Ferreira Júnior declarou que antes da eleição de 2014 Paulo Taques, coordenador jurídico da campanha de Pedro Taques, deu R$ 50 mil para cobrir despesas com grampos de adversários do primo Pedro Taques.
Portanto, a coordenação Jurídica do candidato a governador Pedro Taques mandou gravar adversários, advogados de outras coligações e mais algumas figuras. Além desses grampos que seriam de interesse político, a investigação descobriu que até uma ex-amante de Paulo Taques teria sido gravada – ou seja, o leque de ingerência na privacidade das pessoas ia do palanque aos lençóis na alcova.
Com a posse de Pedro Taques em janeiro de 2015 os grampos tomaram proporções avassaladoras. Num desabafo, o desembargador do Tribunal de Justiça, Orlando Perri, disse que “mais de 70 mil foram grampeados”. O número citado não passava da indignação do magistrado, mas que foi descomunal não resta dúvida. Perri é o relator de Grampolândia Pantaneira no Tribunal de Justiça.

Não se pode fechar o assunto somente sobre grampo. É preciso avaliar com amplitude. Muito provavelmente estivesse em curso um plano de Pedro Taques para dominar o poder por longo tempo. Senão vejamos: em 18 de dezembro de 2014, com Pedro Taques eleito e diplomado, a Delegacia Fazendária desencadeou a Operação Edição Extra, que prendeu os empresários do ramo gráfico e irmãos Dalmi, Fábio e Jorge Defanti e servidores estaduais. A operação nasceu de uma denúncia feita em 2013 pelo Ministério Público Estadual (MPE) para apurar um suposto rombo de R$ 40 milhões em licitação de serviços gráficos e foi comandada pelo delegado Carlos Cunha. Não há nenhuma objeção contra Edição Extra, mas analistas sustentam que a data de seu desencadeamento teria sido arquitetada por Paulo Taques com setores da Polícia Civil ligados a Pedro Taques, sem que a Delegacia Fazendária soubesse.
No dia 18 de dezembro de 2014 a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) realizaria eleição para renovar sua diretoria. Pedro Taques apoiava o então prefeito de Lucas do Rio Verde Otaviano Pivetta (PDT).O à época presidente da Assembleia, José Riva (PSD) e o governador Silval Barbosa (PMDB) eram padrinhos de Neurilan Fraga (PSD), que era prefeito de Nortelândia. Franco atirador o prefeito de Alto Paraguai, Adair José (PMDB), também disputava a presidência da entidade municipalista.
No café da manhã nos hotéis em Cuiabá, pouco antes da votação que começaria às 9 horas, prefeitos de todas as regiões acompanharam na TV Centro América o noticiário do Bom Dia Mato Grosso informando que a Polícia Civil prendeu servidores e empresários, e que ocupava a Secretaria de Comunicação do Governo. A televisão chegou ao local da operação antes mesmo que os policiais. Sites, que tradicionalmente são atualizados após as 8h30 madrugaram evenderama imagem da desgraça administrativa.
Enquanto a imprensa fazia sua parte, figuras ligadas a Pedro Taques conversam ao pé do ouvido com o eleitorado da AMM. Riva e Silval reuniram prefeitos e lhes falaram sobre o suposto projeto de Pedro Taques.
Neurilan venceu com 59 votos. O franco atirador Adair José recebeu 32 votos. Pivetta ficou na lanterna em 30 votos. Em Brasília, pra onde coincidentemente ia sempre que acontecia operação policial, Pedro Taques amargou a derrota.

De volta aos grampos
O promotor Mauro Zaque era secretário de Segurança Pública e em outubro de 2015 comunicou Pedro Taques em ofício protocolado a existência do crime recorrente. Pedro Taques não tomou providência com o vigor que se esperava para um caso de tamanha gravidade e em dezembro daquele ano Zaque deixou o governo. Em outubro o ex-secretário-adjunto de Zaque e então promotor de Justiça em Minas Gerais, Fábio Galindo, confirmou o que disse Zaque e ainda acrescentou maiores detalhes sobre a informação que foi passada a Pedro Taques.
Pedro Taques tem memória privilegiada. Quando governador, às vezes, ao microfone falando para multidão, em algum evento, via alguém e se dirigia a ele, “Fulano, você prometeu que traria doce de leite pra mim e não trouxe, rapaz!”. Porém, sobre o comunicado de Zaque sobre os grampos ele sofria amnésia e ainda desqualificava o fato.
No governo de Pedro Taques a versão oficial do Palácio Paiaguás sobre o episódio era rocambolesca. Segundo ela, no protocolo a que se refere o ex-secretário de Segurança constaria um pedido de vereadores por Juara, por obras rodoviárias naquele município.
Depois de muitas versões para o documento, finalmente o então chefe da Casa Civil, José Arlindo passou a ser investigado por supostamente ter sido o autor da fraude no protocolo.

GRAMPOS – Em síntese, os grampos eram feitos com autorização judicial, principalmente pelo juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, da comarca de Cáceres.
A mecânica? O cabo Gérson pedia autorização ao magistrado para o Serviço Reservado da PM monitorar supostos telefones de policiais militares que estariam envolvidos com o narcotráfico, e também de figuras ligadas a eles.
A Polícia Militar não tem prerrogativa de polícia judiciária, mas pode internamente apurar atitudes ilícitas de seus efetivos. Só que na verdade não se tratavam de telefones de policiais militares, mas sim de adversários políticos de Pedro Taques, de jornalistas, advogados, médicos etc. É o que se chama de barriga de aluguel.

Dentre os grampeados o jornalista José Marcondes Muvuca e a deputada estadual Janaína Riva. Uma fonte palaciana revelou que Muvuca era monitorado para se saber quem no Palácio vazava informação à imprensa; Janaína seria considerada uma menina bonita e deslumbrada, mas que teria contato com o grupo que durante duas décadas foi liderado por seu pai, o ex-deputado José Riva. Mais recentemente surgiu outra versão: o MP estaria de olho nela pra saber se o esquema corrupto de seu pai estaria tendo sobrevida em seu gabinete, onde foram alojados antigos servidores de seu ciclo no poder.
Estranho nesse fato a facilidade de magistrados na autorização da escuta.
Estranho também que nunca tivessem recebido relatórios sobre os grampos.
Estranho a quantidade de figuras grampeadas.
Também causa estranheza que um volume tão grande de grampos tivesse passado despercebido ao Gaeco.
Muito estranho também foi a postura de Zaque, que mesmo sendo membro do Ministério Público não comunicou ao Gaeco tal prática recorrente na cúpula do governo.
O Ministério Público
Tão ou quase tão assustador quanto os grampos, é a decisão do MP de descartar delação premiada, principalmente quando em meio às densas nuvens que encobrem o caso Grampolândia, há comentários de que a instituição teria se beneficiado de barriga de aluguel para obter informações.
O calendário nos mostra que nos próximos dias os três reinterrogatórios poderão lançar luzes sobre Grampolândia. Ufa! Mais de dois anos depois que o escândalo veio à tona, era mesmo tempo de se chegar a algum lugar.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 -Júnior Silgueiro – Divulgação Governo de Mato Grosso
2, 4 e 5 – Governo de Mato Grosso
6 – Site Muvuca Popular
7 – Divulgação Assembleia Legislativa
Que vergonhosa situação. Boa leitura!