Eleição suplementar para prefeito em município marcado por mortes de políticos

Prefeito e vice cassados e eleição suplementar em Bom Jesus do Araguaia, município marcado por mortes de políticos
Mais uma vez a morosidade da Justiça Eleitoral prejudica o curso de uma administração municipal em Mato Grosso.
Em Bom Jesus do Araguaia será realizada eleição suplementar para prefeito e vice em 7 de abril. O prefeito constitucional do município é o vereador Ronaldo Rosa de Oliveira, o Rone do Mureré (DEM), que assumiu o cargo em agosto de 2018, depois que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), por unanimidade, manteve a cassação do prefeito e seu vice.
A morosidade é tanta, que a Câmara elegeu novo presidente, o vereador Sílvio Maira Dantas (PDT), o que resultou numa disputa paralela pelo poder entre os dois vereadores.
Na eleição de 2016, o prefeito que se reelegeu Joel Ferreira, o Joel da JM (PSDB) e seu vice Edmárcio Moreira da Silva (PRP) teriam cometido crimes de abuso de poder político e econômico.
Em setembro de 2017, portanto uma ano depois dos supostos crimes, a juíza de Ribeirão Cascalheira, Janaína Cristina de Almeida, cassou a chapa dos dois. O caso descambou para o TRE onde tramitou até agosto de 2018.
Agora, na metade do mandato cujos titulares foram eleitos em 2016, a Justiça Eleitoral marca eleição suplementar para 7 de abril. Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia, tem 6.452 habitantes e o começo de sua vida institucional foi trágico.
Os primeiros passos daquele município estão em dois capítulos do livro Dois dedos de prosa em silêncio pra rir, refletir e arguir, que o jornalista Eduardo Gomes de Andrade publicou em 2015 com ilustração de Generino e sem apoio das leis de incentivos culturais. A seguir, os dois capítulos por ordem de publicação:
Triste começo de uma cidade
Maria do Socorro Bedas, professora nascida em Tocantins e pioneira na hotelaria em Bom Jesus do Araguaia estava feliz e com motivo de sobra pra comemorar: em fevereiro de 2001, somente ela tinha diploma de curso superior naquele município, instalado no mês anterior. A felicidade ali não era exclusiva de Maria do Socorro. O mineiro de Ituiutaba, Marco Aurélio Fullin (PL), também se desmanchava, afinal ele acabara de ser empossado para cumprir o primeiro mandato
de prefeito da cidade.
Naquele fevereiro estive em Bom Jesus, onde entrevistei Maria do Socorro e Fullin, para uma série do Diário de Cuiabá sobre os novos municípios no Vale do Araguaia, material que me levou também a Nova Nazaré, Santa Cruz do Xingu, Santo Antônio do Leste, Serra Nova Dourada e Novo Santo Antônio.
Na manhã do sábado, 14 de dezembro de 2002, a Polícia Rodoviária Federal informou ao Diário sobre um grave acidente na BR-070 envolvendo um prefeito do Araguaia, que foi removido ao Hospital Santa Rosa, em Cuiabá. Fui ao Santa Rosa juntamente com minha colega Joanice de Deus apurar o caso. Era Fullin.
O prefeito Fullin e sua mulher, Luzia Queiroz, ambos de 42 anos, receberam atendimento em Campo Verde, de onde foram removidos para Cuiabá e morreram na sala de cirurgia do Santa Rosa. Ele às 11 horas. Ela, às 12h15. Ambos por politraumatismos, segundo o cardiologista Renato de Melo.
Fullin dirigia uma picape Ranger, de cabine dupla, que seguia no sentido capital-Barra do Garças, na BR-070. Por volta de 7 horas, nas imediações de Campo Verde o veículo capotou várias vezes e passageiros foram arremessados para fora. No local morreram quatro: Marcilene, 19, filha do casal Fullin; Míriam, 3, filha de Marcilene; Maikon Douglas, 6, sobrinho do prefeito; e Tâmara de Oliveira Rosato, 14, que morava com a família Fullin.
Não havia parentes das vítimas no hospital. Na portaria, somente uma assustada funcionária da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e Osmar Kalil Botelho Filho, o Mazinho, que disputou a prefeitura com Fullin. O prefeito de Cuiabá, Roberto França, não deu as caras e o mesmo fez Jayme Campos, que administrava a vizinha Várzea Grande.
Pelo atendimento o hospital pediu um cheque-caução à funcionária da AMM, mas ela não tinha autonomia para tanto. O presidente da entidade, Érico Piana (PFL), prefeito de Primavera do Leste, foi informado, mas argumentou que cumpriria agenda naquele dia em Santo Antônio do Leste, e que em razão daquele compromisso não daria assistência ao caso. Mazinho pegou um talão de cheques e atendeu à exigência, mas com a observação que o mesmo ficasse apenas enquanto garantia porque ele ainda iria providenciar sua cobertura.
Não conhecia Mazinho. Ao vê-lo assinar o cheque o admirei e puxei conversa. Fiquei sabendo que na eleição para prefeito em 2000, Fullin e ele disputaram a prefeitura. O mineiro venceu 773 votos. O perdedor não foi além de 699 votos. Minha admiração aumentou. Não é comum político, ainda mais de cidade pequena, respeitar adversário morto.
Na edição do domingo 15, no Diário, cobri o fato sem omitir a exigência do cheque-caução e o gesto de Mazinho. A reação da AMM à notícia foi rápida tentando evitar que a imagem de seu presidente continuasse chamuscada, mas não recuei. Piana franziu a testa e foi pra Bom Jesus do Araguaia sepultar o colega.
Com a morte de Fullin, o presidente da Câmara, Antonio Olavo Faria Lima (PL) assumiu a prefeitura, pois o então candidato a vice-prefeito da chapa vencedora em 2000, José Omárcio Ferreira (PPS) morrera num acidente durante a campanha. A Justiça Eleitoral marcou eleição suplementar para 9 de março de 2003 e posse dos eleitos para 15 daquele mês. Mazinho (PMN) foi eleito prefeito, com Gervásio Abreu de Carvalho (PSDB), vice. Em chapa partidária o PMDB disputou com Valdemir Antonio de Silva e Martes da Silva Rosa, de vice. A aliança PPS/PL lançou Hércules Martins (PPS) e Márcia Cristina Cavalcante Marques (PL), vice.
Mazinho entrou em rota de colisão com a Câmara. Em 11 de novembro de 2003 foi afastado do cargo por 60 dias sob suspeita de improbidade administrativa. Mais tarde foi cassado. O juiz da 53ª Vara Eleitoral, Wagner Plaza Machado Júnior, expediu sua prisão preventiva, que foi cumprida em 27 de fevereiro de 2008, na Secretaria de Estado de Fazenda, onde trabalhava, em Cuiabá. Em 27 de fevereiro de 2010, aos 45 anos, Mazinho morreu vítima de ataque cardíaco, em Primavera do Leste, onde participava de uma festa.
Blairo embalado pela música
Em Nova Santa Helena, Osmar Kalil Botelho Filho, o Mazinho (PMN), prefeito de Bom Jesus do Araguaia, tentou algumas vezes, mas foi barrado. Não conseguiu falar com o governador Blairo Maggi (PPS). Insistiu nas cidades de Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Novo Mundo, Guarantã do Norte e em Matupá, onde Blairo pernoitou com sua enorme comitiva intitulada Expedição Estradeiro, mas deu com os burros n’água.
Enquanto repórter cobria o Estradeiro e vi as tentativas de Mazinho. À noite, no hotel, em Matupá, Blairo foi cercado pelos secretários Geraldo Gonçalves (Comunicação), Homero Pereira (Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar) e Waldir Teis (Fazenda), juntamente com o empresário Helmute Lawish, que entoavam canções gauchescas na tentativa de agradar o governador e Rei da Soja, nascido em São Miguel do Iguaçu, mas de ascendência gaúcha.
Mazinho estava jururu por não conseguir falar com o governador. Vi sua agonia e o chamei pra uma conversa regada por umas Brahma geladas. Disse que deveria insistir, mas que se não desse certo, dali a dois dias, o botaria pra falar com Blairo, em Vila Rica, onde o Estradeiro pernoitaria. Os olhos do prefeito brilharam com o que ouviu.
O Estradeiro avança. No Parque Indígena do Xingu Blairo abraça os caciques Raoni, Megaron e Bedjai, na Aldeia Piaruçu. Ouve fazendeiros em São José do Xingu, onde o prefeito anfitrião Hélio do Carmo (PMDB) diz que ele é o primeiro governador que faz visita administrativa ao município. Abraça seu amigo paulista e também megaprodutor de soja Alberto Schlatter, que aos 71 anos se lança na aventura de cultivar 36 mil hectares de soja no Vale do Rio Comandante Fontoura. Beija crianças na vila Carmelita. No final da tarde de 29 de maio de 2003 a comitiva entra em Vila Rica, onde o prefeito peemedebista Naftaly Calisto recebe o governador com o maior abraço do mundo, segundo ele.
Apreensivo, Mazinho diz-me que confia no seu taco. À noite Vila Rica recebe Blairo e sua mulher Terezinha, em festa. O evento, oficialmente seria ato político, mas em razão da comemoração dos 47 anos do governador naquela data, vira festa. Festa de aniversário. Geraldo Gonçalves, Homero Pereira, Waldir Teis e Helmute Lawish não perdem a oportunidade e cantam “Parabéns pra você”.
Preparo o terreno e Mazinho entra em cena ao som de um violão entoando “El reloj”, o clássico mundial que o mexicano maestro Roberto Cantoral fez pra sua mulher agonizante num hospital na cidade do México, após um acidente automobilístico nos anos 1960.
Terezinha e Blairo Maggi se desmancham emocionados. Aquela é a música romântica dos dois. O primeiro casal fica em pé. Ouve em silêncio, de mãos dadas. Ao término, os dois abraçam Mazinho e pedem que o chefe da Casa Militar, coronel Walter de Fátima, providencie uma cadeira pra ele, pra que fiquem juntos.
Com a música, repetida três vezes e outras sugeridas por Blairo, Mazinho derrubou todas as barreiras. Ganhou o coração do homem que tinha a chave do cofre do Palácio Paiaguás.
No dia seguinte, o Estradeiro avançou pela BR-158. Nas imediações do Trevo com a BR-080, a comitiva parou ao lado de um comboio que patrolava a rodovia. Blairo assumiu uma patrol e a vaidade tomou conta de seus acompanhantes. Todos queriam saber quem poderia subir na motoniveladora que seria comandada pelo patroleiro Blairo. A dúvida não demorou muito, já que o governador convidou Mazinho pra acompanha-lo. Daquele momento em diante, no Palácio Paiaguás, não haveria porta fechada pra Bom Jesus do Araguaia.
Da Redação
FOTOS: Arquivo
ILUSTRAÇÕES: Generino
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