Sangue em Colniza, o município abandonado e explorado por políticos
Colniza é um vácuo do Estado explorado por gigolôs políticos. Um tiroteio na manhã deste sábado, 5 deixou ao menos dois mortos e sete feridos nesse território (27.946 km²) com 37.280 habitantes e maior do que Sergipe ou Israel, ganha as manchetes em Mato Grosso, por conta dois componentes: a área do conflito seria do ex-deputado estadual José Riva, que acumula penas em primeira instância; e se trata de violência no campo – prato cheio para exploração ideológica.
Torcendo para que o caso seja apurado com rapidez e seus responsáveis entregues à Justiça, e não o menosprezando em respeito às vidas ceifadas, mas o contexto de Colniza vai muito além e passa ao largo da imprensa cuiabana, pela falta de conhecimento da mesma em razão da distância entre as duas cidades, pelo tato que marca alguns tipos de relacionamentos jornalísticos e – muito lamentavelmente – pelo desinteresse de Mato Grosso por Mato Grosso como se tudo se resumisse a Cuiabá e algumas outras cidades.
Pobre Colniza abandonada pelo Estado antes mesmo de sua emancipação, quando o governador era o senador diplomado Jayme Campos.
Pobre município onde o Estado somente aparece de quando em vez, representado por força-tarefa formada pelo Ibama; secretarias estaduais de Meio Ambiente (Sema), Fazenda (Sefaz), Segurança Pública (forças policiais); Inmetro; Ministério Público do Trabalho; Delegacia do Trabalho e Emprego; Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat); e outros órgãos e tribunais do gigantismo estatal, sempre de bote armado sobre o cidadão e o contribuinte. Não se vê autuação trabalhista contra a prefeitura de Cuiabá, por conta de trabalhadores que após o almoço, com a marmita na mão, descansam debaixo de viadutos; coincidentemente não há diária para tal tipo de fiscalização, mas em Colniza, se numa fazenda a porta do refeitório for 3 centímetros mais estreita do que o padrão, a caneta é implacável.
Pobre região sem obras estruturantes. A cidade à margem da BR-174/MT-206 deveria ser rota de uma grande rodovia leste-oeste ligando Rondônia ao Pará e cruzando Juruena, Nova Bandeirantes, Nova Monte Verde, Alta Floresta, Carlinda, Novo Mundo e Guarantã do Norte. Não há projeto nem recurso para tal obra, mas sobram milhões para bancar a mordomia e o inchaço do quadro dos servidores da Assembleia Legislativa, Tribunal de Contas do Estado e Câmara Municipal de Cuiabá.
No vácuo do Estado brota a violência, a grilagem, a extração ilegal de madeira e o garimpo clandestino. Mato Grosso teima em manter o Grupo Especial de Fronteira (Gefron) atuando nos 983 quilômetros que unem Brasil e Bolívia nos municípios de Poconé, Cáceres, Porto Esperidião, Vila Bela da Santíssima Trindade e Comodoro, quando deveria deslocar aquela força policial para Colniza e região. O Exército, além sua presença militar tem poder de polícia na fronteira, mas o Gefron fica por lá, porque a União repassa recursos para os cofres do Palácio Paiaguás.
Violência é marca registrada de Colniza, que em 2004 foi o município brasileiro com maior número de mortes por grupo de 100 mil habitantes. Em algumas áreas, até recentemente, nem mesmo a polícia entrava. Lá, quando se falava na gleba Capa Preta, até os macacos tremiam nas copas das árvores. Boa parte dessa situação se deve ao perfil da população. Colniza é o que se chama de segunda parada: brasileiros vítimas de injustiça social e enxotados de seus lugares de origem ou apenas em busca de oportunidade, trocam o Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e outros estados, por Rondônia. Sem espaço naquele Estado vizinho, fazem a segunda parada. Chegam trazendo sonho e o temor que novamente não dê certo. Cria-se, assim, um clima de instabilidade emocional.
Essa instabilidade poderia ainda ser maior se não fosse uma ação de regularização fundiária privada que é desencadeada pela Colonizadora Colniza – fundadora do lugar -, que teve grande área invadida e, ao invés de tentar reave-la judicialmente, compõe com os que a ocupam, dando-lhes título definitivo com pagamento parcelado do imóvel. Esse projeto tem à frente o ex-deputado estadual e ex-presidente do Intermat, Jair Mariano. Conhecedor da questão agrária estadual, político hábil e com sensibilidade, Mariano reduz a tensão em Colniza.
Colniza foi cenário de muita violência no campo, com destaque para uma chacina em 2017 na gleba Taquaruçu do Norte, no distrito de Guariba, com sede distante 150 quilômetros da cidade (Boxe).
Muitos foram os casos de violência envolvendo políticos de Colniza. O mais grave foi o assassinato do prefeito Esvandir Antônio Mendes, o Vando (boxe).
Com maus exemplos, políticos influentes de outros municípios também contribuem para a anarquização agrária, ambiental e mineral em Colniza.
Em maio de 2010, a Operação Jurupari, da Polícia Federal, prendeu em Belo Horizonte o ex-presidente do TCE e da Assembleia, além de ter sido deputado federal, Ubiratan Spinelli. Contra ele, denúncias do Ibama e do Ministério Público Federal por suposto desmatamento criminoso e venda irregular de madeira por meio da madeireira Lagoa das Conchas, que seria registrada em nome de seu filho Rodrigo Spinelli,
A fazenda Bauru, onde aconteceu o confronto de agora, pertence a empresa Floresta Viva Exportação de Madeira e Terraplanagem citada no noticiário enquanto propriedade de José Riva (e em alguns noticiários o nome do ex-governador Silval Barbosa figura como sócio). Quanto a possível sociedade entre José Riva e Silval não há nada que se estranhar, pois juntos eles dominaram o poder em Mato Grosso por alguns anos. Mas independentemente de tal situação, a deputada estadual reeleita Janaína Riva (MDB) disse à imprensa, no ano passado, que a Floresta Viva é registrada em seu nome e de seu irmão, o médico José Geraldo Riva Júnior, embora quem a administre seja seu pai. Antes da denominação Bauru, a fazenda se chamava Magali.
Vale observar que a assessoria jurídica da Floresta Viva emitiu nota acusando trabalhadores rurais “fortemente armados” de terem atirado em seguranças da propriedade, o que teria originado o confronto.
Janaina é investigada pela Operação Lava Jato por suspeita de lavagem de dinheiro por meio de transações que envolveriam o empresário Valdir Piran e o lobista Lúcio Funaro. Janaína e seu irmão Júnior, por serem donos da Floresta Viva Exportação de Madeira e Terraplanagem, que seria o pivô das investigações que a envolvem com Piran e Funaro, entraram no furacão da famosa operação.
Com esse fato novo e gravíssimo Janaína complica sua situação na Lava Jato e poderá ser investigada pela Assembleia por sua condição de suposta laranja do pai, muito embora tradicionalmente os deputados façam vistas grossas sobre colegas.
COLNIZA – Uma epopeia escrita por anônimos na Amazônia. Essa frase bem define a colonização de uma área então pertencente a Aripuanã, e que mais tarde se transformaria no município de Colniza.
A cidade surgiu de um projeto fundiário adquirido ao governo estadual pela empresa paulista Colniza Colonização, Comércio e Indústria, numa área de 180 mil hectares na calha do rio Aripuanã. A demarcação das parcelas rurais e da zona urbana começou em 1986, através do topógrafo Antonio Nunes Severo Gomes (Severo também fez o projeto urbano de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás).
Em 1991, a Colonizadora Colniza cedeu ao governo 17 mil hectares para a criação do Assentamento 1º de Maio, que visava solucionar um problema agrário no Rio Grande do Sul. Nessa área foram assentados inicialmente 130 famílias oriundas de Bagé (RS), e que foram transportadas por aviões Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira (FAB).
O primeiro vôo, com 73 famílias, aterrissou em Colniza em 25 de abril de 1991. Os novos moradores foram recepcionados por pioneiros e diretores da colonizadora. Naquela data passaram a integrar a legião que expande a fronteira agrícola nacional, assegura a ocupação amazônica e escreveu as primeiras páginas de uma vila que se preparava para se transformar em mais uma cidade mato-grossense.
Vale observar que Colniza foi o único distrito em Mato Grosso que em plebiscito recusou a emancipação. Foi preciso a realização de segunda votação para se chegar à criação do município. A campanha para a criação da cidade teve destacado papel da empresária Nelci Capitani, que venceu a primeira eleição para a prefeitura.
Um a um, nove homens foram torturados e executados a tiros, golpes de facão e marretadas. A chacina, na Linha 15 da Gleba Taquaruçu do Norte, distrito de Guariba, município de Colniza, na área da divisa de Mato Grosso com Rondônia e Amazonas, chocou a população da região, acostumada à violência que nasce da luta pela posse da terra e pela retirada clandestina de madeira. O crime aconteceu em 19 de abril de 2017.
Izaul Brito dos Santos, 50; Ezequias Santos de Oliveira, 26; Samuel Antônio da Cunha, 23; Francisco Chaves da Silva, 56; Aldo Aparecido Carlini, 50; Edson Alves Antunes, 32; Valmir Rangeu do Nascimento, 55; Fábio Rodrigues dos Santos, 37; e o pastor da Assembleia de Deus, Sebastião Ferreira de Souza, 57 foram as vítimas de tortura seguida de morte.
O promotor de Colniza, Willian Oguido Ogama, denunciou o suposto mandante e quatro homens que seriam pistoleiros integrantes de um grupo que age com máscaras assassinando e ‘limpando’ (retirando com ou sem violência) invasores de lotes.
Ogama acredita que o mandante foi o empresário do ramo madeireiro com empresas em Guariba e no município de Machadinho D’Oeste (RO), Valdelir João de Souza, o Polaco Madeireiro, que está preso. Pedro Ramos Nogueira, o “Doca”; Paulo Neves Nogueira; Ronaldo Dalmoneck, o “Sula”; e Moisés Ferreira de Souza, o “Sargento Moisés” ou ainda “Moisés da COE”, teriam executado os nove. Em 27 de novembro de 2017 o juiz de Colniza, Ricardo Frazon Menegucci,começou a ouvir testemunhas.
(BOXE)
Prefeito assassinado
O prefeito Esvandir Antonio Mendes, o Vando, foi assassinado em 15 de dezembro de 2017.
Vando tinha 61 anos, era casado e empresário no ramo de transporte de passageiros. Foi executado a tiros por ocupantes de um carro que seguiu a camionete Toyota que dirigia na Rua Sete de Setembro. Além dele, o secretário de Finanças da prefeitura, Adnilson Ferreira também foi atingido; tiros acertaram as costas e uma perna de Ferreira.
A mulher e um genro do prefeito estavam no veículo, mas saíram ilesos. Com Vando morto ao volante sua picape desgovernada bateu no muro de uma oficina mecânica.
MEMÓRIA – Em 2012 Vando foi eleito vice-prefeito pelo PSB na chapa encabeçada pelo peemedebista João Assis Ramos, o Assis Raupp. O prefeito Assis Raupp é sobrinho do senador por Rondônia, Valdir Raupp, do qual adotou o sobrenome para efeito político.O corpo de Vando foi velado em Colniza e transladado para sepultamento em Ji-Paraná, Rondônia. O vice-prefeito Celso Leite Garcia, o Celso da Cacique (PT), assumiu a prefeitura.
Antes de Colniza Assis Raupp foi vereador por Porto Velho. O município mato-grossense faz divisa com Amazonas e Rondônia, e sua base populacional é composta por ex-moradores de municípios rondonienses. Prefeito e vice se desentenderam.
Na eleição de 2016 Vando foi eleito pelo PSB com 5.070 votos ou 51,14% da votação válida. Assis Raupp estava afastado do cargo, tentou registrar sua candidatura, mas não conseguiu. O mesmo aconteceu com o ex-prefeito Sérgio Bastos dos Santos, o Serjão (PHS), que também foi barrado pela Justiça Eleitoral. O adversário de Vando foi Milton de Souza Amorim, o Miltinho (PSDB), que cravou 4.843 votos o correspondente a 48,84% da votação.
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
! – Secretaria de Segurança Pública em 5 de janeiro
2 – Secretaria de Comunicação do Governo de Mato Grosso em arquivo
3 e 4 – Maurício Barbant em arquivo
5 – blogdoeduardogomes em arquivo
6 – Polícia Civil
7- Agência AMM
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