De remédio amargo
Em sua primeira fala após a divulgação do resultado do segundo turno presidencial, Jair Bolsonaro disse que sob a bênção de Deus governará respeitando a Constituição e se inspirando em grandes líderes mundiais – sem citá-lo nominalmente, o presidente eleito fez referência ao estadista do século XX, Winston Churchill, exibindo um livro sobre sua trajetória.
Churchill chegou ao poder em meio aos ataques aéreos e as bombas voadoras que ‘choviam’ sobre a Inglaterra. Tudo que prometeu ao povo foi sangue, suor e lágrimas. Diplomata e político, era também mestre estrategista e seus comandados – juntamente com americanos, russos, franceses, canadenses, australianos, brasileiros e outros povos – dobraram os joelhos fascistas e nazistas.
Quem se espelha no líder que venceu o fascismo, não é fascista.
Churchill, jovem ainda e seguindo os passos do pai, o Lorde Randolph Churchill, entrou para a política e chegou à Câmara dos Comuns – que equivale à Câmara dos Deputados no Brasil. Ao concluir o discurso de estreia naquele parlamento, Churchill percorreu o olhar pelo ambiente, onde não se ouvia nada além do silêncio sepulcral. Foi a um colega, idoso, que politicamente conviveu com seu pai. Queira saber o que ele achou de sua fala. O velho parlamentar botou a mão em seu ombro e lhe falou em tom paternal, “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso. Isso é imperdoável. Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo uns trinta inimigos. O talento assusta“.
A mediocridade não se separa da insegurança. Juntas esculpem perfis na política, nos meios forenses, no jornalismo, na esfera empresarial, no universo artístico, no esporte e por onde mais se possa imaginar. É menos apavorante para o que tem esse perfil deformado ver uma figura brilhante tropeçando do que enxerga-la derramando luz sobre os que se encontram sob as trevas da ignorância.
Qual o povo que não desejaria um líder igual o primeiro-ministro Churchill? Um gênio do futebol nos moldes das pernas tortas de Garrincha? Qual mulher não seria mais bela se tivesse a silhueta de Martha Rocha? Qual político brasileiro não gostaria de ser JK? Qual coração não ficaria mais próximo de Deus se o ser humano no peito do qual pulsa, semeasse o bem a exemplo de Irmã Dulce ou Chico Xavier? Acontece que o medíocre não pensa assim.
Bolsonaro não está no patamar dos grandes vultos. Nem poderia, mesmo. Afinal, sua vida pública até então estava restrita a mandato de vereador pelo Rio e a sete legislaturas na Câmara dos Deputados. Mesmo assim, o brilho de sua vitória que brotou do desejo de mudança da maioria, desperta inveja, rancor, despeito. Não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, ser inteligente e vencedor incomoda desprovidos de inteligência.
Não é fácil o convívio profissional, até mesmo para os jornalistas periféricos, quase anônimos, de textos opacos. Mais difícil ainda está com a massificação das redes sociais. Já não se trata mais de apenas guardar silêncio diante do discurso de Churchill. A mediocridade do jornalista de si mesmo – o estranho à profissão, mas que se aventura nela pelas redes sociais – ganha contornos de agressividade gratuita, teima em desconsiderar o óbvio e procura meios de distorcer a verdade.
Bolsonaro governará um país inflamado pelo ódio, dominado pela irracionalidade e ditado pela irresponsabilidade. Que a bênção de Deus esteja sobre ele. Que a Constituição seja sua guia. Que Churchill o inspire. O Brasil precisa se reencontrar. Buscar o desenvolvimento com justiça social sem viés político. Tem que conter a criminalidade, estancar a corrupção e zerar os privilégios. Estamos na linha divisória da racionalidade. Não há espaço para o jeitinho. Não há tempo para espera. É hora do remédio amargo para uns, mas salvador para todos. Que Deus guie o Capitão.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista
eduardogomes.ega@gmail.com
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