Gorduras e doenças cardiovasculares
As gorduras, de maneira bem simples, são as saturadas, que se mantêm sólidas em temperatura ambiente (banha de porco, manteiga), as insaturadas (poli e mono) que geralmente são líquidas (óleos), as hidrogenadas que embora vegetais são mudadas quimicamente tornando-se saturadas, usadas em sorvetes, margarinas e as temíveis Trans, também produzidas industrialmente, presentes nos produtos industrializados como batata frita, etc.
Na próxima vez que você se deliciar com a crocância da batata de pacote, lembre-se que você está mastigando gordura Trans.
Quanto ao comportamento dessas diferentes gorduras em nosso organismo, as gorduras saturadas e as Trans provocam inflamação crônica, facilitam a formação de trombos nas artérias, além de elevar o colesterol LDL que é causa de aterosclerose, provocando obstrução dos vasos sanguíneos, levando a infartos e AVCs. Por outro lado, as gorduras insaturadas (óleos) melhoram a sensibilidade à insulina, têm efeito anti-inflamatório, antioxidante e antitrombose.
As Associações ligadas à Saúde Pública, desde o início do século passado recomendavam restrição no uso de gorduras saturadas, o que fez diminuir na população os infartos e AVCs. Porém, na década de 1980 e 1990 as recomendações muito simplificadas de evitar todo tipo de gorduras levou a importante redução na porcentagem de gorduras e a compensatória elevação no consumo de carboidratos, especialmente amido refinado (farináceos) e açúcar. Isso contribuiu para que nos EUA em 2014, a prevalência de obesidade saltasse de 10% para 37%, a incidência de diabetes tipo 2 dobrasse e a queda que vinha sendo observada nos infartos e AVCs, parasse de ocorrer.
A falta de benefício dessa dieta chamou a atenção dos pesquisadores. Estudos onde apenas se restringia o uso de gorduras saturadas não diminuíam significativamente a mortalidade, como o grande MultipleRiskFactorInterventionTrial (MRFIT). Isso animou indivíduos menos atentos, precipitados e ávidos por manchetes de jornais ou a darem estrondosas aulas de auto ajuda incitando os ouvintes a fazerem o que eles mais gostam: comer gordura sem culpa. E cobrando bem caro por isso.
Porém, em outros estudos, como o The Lyon Diet Heart Study, o Prevención com Dieta MediterraneanStudy (PREDIMED), os cientistas orientaram um grupo de pacientes sobreviventes de infarto ou com vários fatores de risco, a evitar gorduras saturadas e Trans, mas os liberava para seguir a chamada Dieta Mediterrânea, composta de peixes, legumes, castanhas, grãos integrais, frutas e azeite de oliva. No grupo da dieta Mediterrânea, a redução de infartos foi de 73%, comparada ao outro grupo livre para consumir gordura saturada.
Em resumo, a epidemiologia dos últimos 50 anos e os estudos clínicos estabeleceram ligação clara entre dieta, e infartos e AVCs. Intervenções nutricionais provaram que abordagem mais ampla da dieta com atenção igual ao que se consome mas também ao que se exclui, é mais eficaz para prevenir doença cardiovascular do que simplesmente orientar dietas com baixo teor de gorduras e de colesterol.
A respeito da gemada ovo, o aumento de seu consume deve-se à forte propaganda nos EUA dos produtores de ovos. A poderosa American Egg Board,órgão dos produtores desse mercado de 5,5 bilhões de dólares ao ano, foi condenada nos EUA por violar as leis do Departamento de Agricultura e multada, por pagar chefes de cozinha, palestrantes e blogs para fazerem lobby exagerando os benefícios e omitindo os efeitos prejudiciais de ovos à saúde, para aumentar o consumo. Cada gema de ovo contem de 200 a 280 mg de colesterol e deve ser evitado por pacientes com risco cardiovascular.
Após avaliar esses estudos, o comitê da Associação Americana de Cardiologia (AHA), chefiado pelo Dr. Sacks concluiu, em 2017,que seguir esse tipo de dieta reduz a mortalidade cardiovascular em 29%, a mesma redução obtida com o uso de estatinas – fármacos usados para baixar o cholesterol em pacientes com angina ou pós infarto. O Dr. Sacks continua: evite carnes gordas, gordura de porco, laticínios integrais, óleo de coco, palma e dendê. Substitua-os por oleos vegetais naturais ricos em poliinsaturados, como os de milho, soja, girasol, canola e oliva.
Além disso, quando gorduras mono e poli-insaturadas tomam o lugar de gorduras saturadas, caem os índices de mortalidade por câncer, demência e doenças pulmonares, além de infartos e AVCs.
Seguir estas orientações seguramente levará a redução significativa das doenças cardiovasculares e de outras doenças crônicas.
José Almir Adena é médico cardiologista e um dos fundadores do departamento de Cardiogeriatria da Sociedade Brasileira de Cardiologia(SBC). Participou das primeiras diretrizes de cardiogeriatria publicadas pela SBC. Membro da Academia de Medicina de Mato Grosso –Cadeira 7
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