Boa Midia

A conversa não era bem aquela

Políticos e jornalistas que integram a crônica turma do beija-mão do governante – independentemente de quem exerça o cargo – e empresários de olho na gordura dos contratos se assanharam em meados de abril de 2003, quando o recém-empossado governador Blairo Maggi anunciou que percorreria 2.167 quilômetros em 22 municípios do Nortão e do Araguaia liderando aquela que se convencionou chamar de Expedição Estradeiro. O objetivo, segundo ele, era ver a realidade no percurso, que ele admitia desconhecer. No linguajar popular, a Estradeiro ganhou masculinidade.

O Estradeiro partiria de Nova Santa Helena no dia 27 de maio e uma semana depois sua caravana seria dissolvida em Alto Garças, na região de Rondonópolis. O xerife da andança não poderia ser outro senão o poderoso secretário de Infraestrutura, Luiz Antônio Pagot, que além de dar as cartas no Palácio Paiaguás respondia pela secretaria que receberia a maior demanda na viagem.

Blairo foi de avião até o ponto de partida, em Nova Santa Helena, à margem da BR-163. O prefeito anfitrião, Roque Carrara, botou a população nas ruas, com bandeirolas saudando o governador e sua comitiva.

Discurso não pode faltar em reunião de políticos. Deputados queriam falar o máximo possível pra demonstrar fidelidade ao Homem da Botina, que era o título de Blairo. Prefeitos da região pediam a palavra pra correr o pires. O secretariado, orgásmico politicamente, babava pra segurar o microfone e jurar fidelidade aos princípios do chefe. Populares em festa cantavam o refrão da campanha eleitoral do governador: “Tá na palma da mão / Tá na mão de quem sabe…” Em Nova Santa Helena ficou claro que o penúltimo orador seria sempre Pagot e que o chefe encerraria com chave de ouro os pronunciamentos.

Foram muitas as falas. Não dá pra recapitular os incontáveis elogios recebidos por Blairo, por sua coragem em percorrer Mato Grosso no lombo de um 4×4 de luxo e cercado pela elite da segurança pública. No entanto, o que Pagou disse ficou gravado em minha memória.

O homem que dava as cartas no Palácio Paiaguás disse que o governo iria inovar contratando mão de obra local ao invés das grandes empreiteiras, para reforma e ampliação de escolas, postos de saúde, delegacia de polícia e a construção civil de um modo geral. Caprichando no verbo, Pagot observou que em todas as cidades, sem excluir as pequenas, há sempre muitos trabalhadores de braços cruzados e pequenos empresários inativos, porque o Estado teima em desconsiderá-los. “Esse tempo acabou. O governo do Blairo vai construir muito em Nova Santa Helena, mas com gente daqui, com empreiteiros daqui, indicados e apoiados pelo nosso prefeitão Roque e pelos vereadores”.

O discurso de Pagot arrancou ais de felicidade de Roque Carrara e de outros peitos da cidade. Porém, teve o efeito de uma fagulha num barril de gasolina aberto. Os empresários que controlavam as obras públicas em Mato Grosso e que participavam do Estradeiro trocaram olhares de desespero com Blairo. A cara deles criava um cenário de velório que contrastava com a euforia carnavalesca de Roque Carrara, dos vereadores e pequenos empreiteiros locais.

Blairo encerrou os pronunciamentos. Por mais que se esforçasse, o governador parecia menino que perdeu o último pirulito. Pagot foi cercado pelos esperançosos futuros pequenos empreiteiros do governo.

Quando a multidão tomava o rumo de casa e o Estradeiro se preparava para partir com destino a Terra Nova do Norte, Blairo fez um sinal pra Pagot. A sós os dois conversaram por alguns minutos protegidos por uma barreira de policiais militares. Não ouvi tudo, mas escutei fragmentos do pito. O homem que dava as cartas do Palácio Paiaguás recebeu ordem pra não tocar mais na política de valorização da mão de obra local.

O recado foi entendido. Na cidade de Terra Nova do Norte, pertinho de Nova Santa Helena, Pagou deu o recado direitinho. Falando sobre o pedido de reforma do hospital da cidade, o secretário prometeu que resolveria o problema, “porque no governo do Blairo saúde é prioridade e Mato Grosso tem excelentes empreiteiras capazes de fazer a reforma que se faz necessária, no menor tempo possível”.

Da Redação – blogdoeduardogomes – Arte Generino

PS – Este é um dos capítulos do livro DOIS DEDOS DE PROSA EM SILÊNCIO ´PRA RIR, REFLETIR E ARGUIR, publicado em 2015 pelo jornalista Eduardo Gomes de Andrade com ilustração de Generino, sem apoio das leis de incentivos culturais

Esta postagem faz parte da SÉRIE – Blairo e a era da botina (III)

 

 

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