40 Anos -Uma ou duas coisas sobre Justiça e poder
Meus amigos, meus inimigos: eu sou um entusiasta do Poder Judiciário. Tive e tenho grandes amigos magistrados, promotores, advogados, pessoas que marcaram a minha vida. Lembro agora do juiz Antônio Bellot de Souza, que conheci quando dava meus primeiros passos no jornalismo, lá na cidade de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Bellot me entusiasmava a ingressar numa carreira na magistratura e garantia que os juízes serão sempre as pessoas mais admiráveis dentro de uma Democracia.
Eu gostava de ver o velho amigo falar, gesticular, sonhar. Eu era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e aquele ativo e altivo juiz de paz lá da Baixada, com seus cabelos embranquecidos, me animava mostrando uma erudição tremenda, seja para falar de leis, seja para relatar os feitos de Ruy Barbosa, Pontes de Miranda e outros luminares, seja para falar de livros, seja para falar de música clássica.
Só que o Judiciário, aprendi ao longo da vida, também tem seus canalhas, seus pelintras, profissionais que abastardam a profissão, como os juízes que vendem sentença, como nos lembra agora o promotor de Justiça Roberto Turin, em recente polêmica com o desembargador Orlando Perri.
Nas poucas vezes que me encontrei com o Sobral Pinto, lá no Rio, sentia um prazer enorme em ouvir aquele homem tão intimorato. Lembro-me da alegria que sentimos, todos nós, que estudávamos na Faculdade de Direito da UFMT, quando, nos anos 90, tivemos a oportunidade de conhecer o juiz Amilton Bueno de Carvalho, membro da magistratura do Rio Grande do Sul, que veio visitar Cuiabá e nos falar das possibilidades que o Direito Alternativo abria para o questionamento das injustiças desse Brasil e para a superação dos vícios e desvios da estrutura conservadora de nossas instituições legais.
Nos encontros com o juiz Amilton, lá estava o advogado e professor Jean Uema, que hoje é um dos analistas jurídicos do Supremo Tribunal Federal e que segue demonstrando, em sua rotina de trabalho, que segue nas trilhas do questionamento, insatisfeito com esse momento que vive a Justiça e o Judiciário, no Brasil, quando o debate se acirra e chega a se falar não num Judiciário libertador, mas num Judiciário que estaria contribuindo para a manutenção de golpe contra as instituições democráticas.
Lá estava também, filmando as falas do juiz Amilton à beira do Portão do Inferno, o então acadêmico Fábio Petengill, que hoje é magistrado e compõe os quadros da magistratura mato-grossense. Logo, quando falo da magistratura mato-grossense, falo também desse meu jovem amigo que chegou ao topo e, a acreditar no que dizia o Bellot, é uma das pessoas mais admiráveis dentro da nossa Democracia.
Admirável mesmo dentro da Democracia, para mim, é o povo. Povo, entidade talvez abstrata, já que o esforço para fazer valer os seus interesses se mostra tão difícil de realizar. As disputas que se dão, dentro da Democracia, favorecem sempre quem tem mais garrafas para contar. Se o Supremo Tribunal Federal existe para ser o guardião da Constituição, por que é que esse STF foi capaz de respaldar o golpe que afastou uma presidente da República, democraticamente eleita, e que não cometeu crime nenhum? Pedalar, pedalar, todos pedalam e aí está o bacharel de Direito e governador Zé Pedro Taques que não me deixa mentir.
Esse é o grande desafio: fazer com que as nossas estruturas de poder se submetam à vontade da maioria, à vontade do povo. Submetidos que estamos a esta divisão de poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário sempre vemos o povo pretensamente exercendo o poder através de seus pretensos representantes – e não de forma direta. E fica tudo tão pretenso que o povo, na verdade, não tem poder nenhum.
Com tanta gente no mundo, realmente exige um esforço muito grande a gente conseguir destrinchar o poder de forma a que se democratize radicalmente as estruturas de gestão. Mas este talvez seja o único esforço que valha a pena. Do jeito que está, as patifarias continuarão a acontecer lá no Planalto, lá no Congresso, lá no STF e a maioria das pessoas vai continuar apenas xingando, reclamando, sem saber direito o que fazer. Mas toda essa gente tem que ser desafiada a construir esse novo mundo, um mundo onde o poder seja repartido entre todos e todas.
Enock Cavalcanti é jornalista, blogueiro e advogado em Cuiabá
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