O nosso 31 de Março
Eduardo Gomes
@andradeeduardogomes
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Não foi algo abstrato. O dia 31 de Março de 1964 está distante no calendário, porém permanece vivo sob os olhares das correntes ideológicas, do oportunismo, da corrupção e da verdadeira cidadania. À época, com 13 anos, vi com o olhar de adolescência a fervura na mineira Governador Valadares, onde os ânimos estavam exaltados entre a direita e à esquerda e vice-versa. Mais de meio século depois, já na terceira idade e não mais adolescente acompanho em Mato Grosso o segundo round daquela luta, só que ao invés da carabina 44 Papo Amarelo de então, é travada pelo destempero verbal no teclado do computador ou celular. No primeiro embate o mundo estava dividido entre Washington e Moscou. Agora, no Brasil, as duas partes estão unidas umbilicalmente não por ideologia, mas pela corrupção e o peleguismo – com as exceções de praxe. Um garoto imberbe não poderia tomar parte naquela guerra civil não declarada. Um ancião, pelo que a vida lhe ensinou, tem que ficar fora do confronto em andamento, torcer muito pela briga, porque a maioria das vozes aos brados não tem o DNA da moralidade do berço à cova, nem familiar ou ideológico raiz.
Falemos sobre 1964 e 2025.
O Brasil era feudal. O matrimônio, machista. A comunicação não tinha abrangência nacional. Paralelamente a essa drástica realidade brasileira, as partes do mundo polarizado buscavam expansão, domínio. A América Latina, à exceção da ilha dos irmãos Castro, era o quintal dos Estados Unidos.
As forças armadas acompanhavam tudo com o olhar direitista arraigado. Jovens moldados pela Praça Vermelha pensavam diferente. Com a renúncia do bêbado pantaneiro Jânio Quadros, o vice-presidente Jango Goulart assumiu o poder e levou para Brasília seu sentimento comunista.
Quando todos pensavam que o cenário não poderia ser mais apimentado, Jango desafiou as oligarquias dos pares de botas que davam as cartas das porteiras para dentro. Lançou o desafio da reforma agrária na lei ou na marra, num país onde o que mais havia era vazio demográfico. O estopim estava encharcado com gasolina da mais pura octanagem e o presidente acendeu o fogo.
O general Olímpio Mourão Filho saiu das montanhas de Minas e entrou na Cidade Maravilhosa. Os governadores Magalhães Pinto (Minas), Adhemar de Barros (São Paulo) e Carlos Lacerda (Guanabara) assumiram a liderança civil do movimento, que para a esquerda foi golpe, e para direita, revolução. O resto é de domínio público e cada um trata de contá-lo da maneira que melhor lhe convém.
Mas vale uma observação: Jango foi deposto e o Congresso Nacional, inclusive com o voto de Ulysses Guimarães, elegeu o marechal Castelo Branco presidente, para que ele governasse até 1965, ano em que o país elegeria pelo voto direto seu novo líder, e nesse período o governo expurgasse os ideais comunistas que tanto atemorizavam a nação (ou a maioria do brasileiros).
Castelo Branco descumpriu o prometido. Não permitiu a eleição em 1965 e cassou Juscelino Kubitschek, o nosso JK, que chegaria ao poder nos braços do povo. Vieram os atos institucionais, começou a caça às bruxas. Os dois lados pegaram em armas, mataram e morreram.
Finalmente, João Figueiredo restabeleceu a democracia com a anistia ampla, geral e irrestrita.
No hiato democrático os presos políticos doutrinaram os prisioneiros ditos comuns, o que resultou no crime organizado.
No mesmo período, enquanto a mão de ferro da ala séria dos militares tentava conter a corrupção que está na alma da vida pública brasileira, os afastados da farra com o erário público se descabelavam à espera do momento da retomada da roubalheira, que hoje foge ao controle do Estado, que sufoca a moralidade, que tem muitas facetas e dentre elas o sindicalismo, os cofres públicos, as emendas parlamentares e – lamentavelmente – até mesmo a venda de sentença, cujos protagonistas togados estão acima da lei e do bem e do mal, amparados pela sigla Loman, que jamais deveria ser pronunciada perto das crianças.
Estamos em 2025.
O que somos? Um zé povinho que idolatra Lula, o homem que esteve à frente do maior esquema de corrupção supratidário brasileiro – tornado público – e estranhamente indultado entre aspas por decisão judicial que nem mesmo a Justiça consegue entender; e que venera Jair Bolsonaro, um homem sem identificação com a verdadeira democracia e que consegue a proeza de comprar imóveis pagando a vista em transações que não convencem nem mesmo sua madrinha de batismo, e que conseguiu fazer de seu perfil a referência para o levante da insensatez em busca de um estado de direita conduzido por ele, sua filharada e amigos de patentes mais altas do que a sua, de capitão, que recebeu ao sair do Exército pela porta dos fundos.
O dia 31 de Março com o recheio dos fatos subsequentes deveria ser referência para que busquemos o Brasil e Mato Grosso que nossos filhos, netos e bisnetos merecem e precisam. Sem golpe e sem golpistas, sem pelegos, sem corruptos e sem a sucessão familiar do bastião da corrupção que teima em perpetuar-se pelos filhos rebuscados de discursos em defesa do social, da moral e do desenvolvimento, quando na verdade representam o DNA daquilo que há de pior no Brasil.
É impossível riscar o 31 de Março de 1964 da história do Brasil, mas podemos fazer daquela data uma referência para que nunca mais haja golpe de estado, ainda que a corrupção ande sedutora, envolvente e poderosa entre nós. Que a corrupção passe, mas que nunca tentemos contê-la com um atentado contra a democracia; que a vençamos nas urnas, o que infelizmente não aconteceu em 1964, quando o presidente do Congresso, Ranieri Mazzilli, curvou-se a Castelo Branco, ao invés de desafiá-lo democraticamente.
Não estamos num divisor entre direita e esquerda embora as redes sociais teimem em pintar esse cenário. Nos livremos de Lula e Bolsonaro e busquemos entre nossos irmãos brasileiros, os nomes capazes para nos governar, nos representar nos parlamentos para que não reeditemos o que aconteceu há 61 anos, só que ao contrário de ontem, quando a dita motivação era ideológica, agora, verdadeiramente é uma cruzada contra os corruptos de ontem e seus sucessores.
O cenário em Mato Grosso desmotiva a cidadania. Numa terra impregnada de corrupção não há sequer um preso por lesar o erário público. A única punição nesse sentido foi aplicada ao então deputado federal Pedro Henry, que perdeu o mandato, foi condenado e preso, mas recebeu indulto. Os saques ao erário na Era Riva na Assembleia e Silval Barbosa no Governo, ganharam contornos de volatilização e muitos dos crimes da época foram prescritos. Cair dinheiro do bolso do paletó virou charme e o braço da Justiça não alcançou Silval nem Emanuel Pinheiro que vestia o dito cujo de bolso raso.
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O mundo evoluiu. Nenhuma nação quer regime comunista. Quem o vive tenta desesperadamente se ver livre dele, como acontece na Coreia do Norte, Cuba, Vietnã, China e outras nações. Por mais que Lula e seus satélites chorem pela orfandade da Praça Vermelha, o Brasil jamais abrirá mão dos valores democráticos. Não precisamos do confronto virtual permanente nas redes sociais, travado sempre no segundo andar, e nunca mergulhando em Mato Grosso. Lula passará. Bolsonaro passou. Mais dia menos dia, em meio às trevas da corrupção deslavada e da incúria administrativa surgirão nomes capazes e honrados.
Não pensem que a ideologia de direita seja um poço de virtudes; em meio a ela muitos são da escória política. O mesmo acontece em relação à esquerda. De ambas se pode extrair virtudes graças ao tempero democrático que garante o contraditório e a plena liberdade de expressão, sem excluir a Imprensa.
O inimigo do Brasil não é ideológico: é a corrupção, inclusive no Judiciário, como as denúncias pontuais de venda de sentença, sem excetuar Mato Grosso, nos mostram. Fere a cidadania saber que desembargador usa tornozeleira eletrônica, que vereador, deputado e senador troca de bancada por conchavo com prefeito, governador e presidente.
Um dos maiores questionamentos é sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Realmente, em alguns casos, a corte superior joga no ralo a dosimetria, mas isso pela composição do plenário e não pela instituição. A renovação do STF passará pelas urnas em 2026. O próximo presidente indicará ministros. Caberá ao eleitor impedir a eleição de um nome que mantenha o perfil dos grandes togados de agora.
O que se verifica no STF é parte da realidade institucional brasileira, que não poupa nenhum dos poderes. Cabe ao povo, em seu 31 de Março nas urnas, devolver o Brasil aos brasileiros, com um novo presidente que indulte as vítimas do excesso de zelo que há entre Executivo e Judiciário. No regime de 1964 também foi assim, porém a peso de ato institucional, que substituía a toga. Os militares cassaram JK para que ele não fosse governador de Minas em 1965. Em resposta, o ex-presidente lançou sua mulher, Dona Sarah Kubitschek para governadora. O general Golbery do Couto e Silva, que era o mago do regime, estendeu os efeitos da cassação ao cônjuge; Dona Sarah foi impedida de disputar a eleição, mas o povo ouviu JK e elegeu Israel Pinheiro governador.
Nenhuma nação deve abraçar o golpismo, e muito menos o Brasil, por sua posição geopolítica no Hemisfério Sul. O Estado Brasileiro é suficientemente forte para superar todas as mazelas independentemente de suas origens. Por um momento, na quadra da vida, alguém pode ser penalizado, mas no contexto da história a real democracia e a verdadeira Justiça prevalecerão
Que o 31 de março de 2025 seja um dia para reflexão. Não precisamos de muito para mudar o Brasil, mudar Mato Grosso. Nos basta o título eleitoral e vergonha na cara. Que em 2026, nas urnas, façamos a assepsia que a política requer. Fora disso é conversa pra boi dormir, para desopilar o fígado e passar a imagem do idealismo. A grande maioria dos 3.836.399 mato-grossenses ainda não bebia água, não presenciava o caos ambiental nem o domínio do Estado pelo crime organizado, quando os militares tomaram o poder. Portanto, a ela não se pode debitar o que aconteceu, mas a ela tem que se cobrar preventivamente a postura necessária para que conquistemos o Estado Mato-grossense e a Nação que a velhacaria ambidestra teima em nos surrupiar. Precisamos assumir o nosso 31 de Março nas urnas.
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