SÉRIE (III) – Céu e inferno de Nilson Leitão

Vereador por Sinop, deputado estadual e deputado federal, não apresentou um projeto sequer que se transformasse em lei de destaque. Prefeito, sofreu constrangimento com o envolvimento de seu nome do escândalo da Máfia das Ambulâncias e ao ser preso sob acusação de recebimento de propina, situação essa que o botou atrás das grades na Papuda, em Brasília.
Este é o terceiro capítulo da série SENADO tem que ter PASSADO, que blogdoeduardogomes posta sobre as chapas que disputam a eleição suplementar para o preenchimento da vaga aberta com a casssação da senadora Selma Arruda (PODE) e seus suplentes Beto Possamai e Clerie Fabiana (ambos PSL), por crimes de caixa 2 e abuso de poder econômico.
Menino pobre que trocou Cassilândia em Mato Grosso do Sul pela sedutora Sinop, Nilson Aparecido Leitão, técnico contábil, entrou cedo para a política. Aos 27 anos, em 1996, conquistou mandato de vereador pelo PSDB. Em 1998 disputou uma cadeira à Assembleia Legislativa e amargou suplência, mas em 1º de junho de 1999 virou deputado estadual por força de um rodízio parlamentar regiamente pago pelo contribuinte.
Para ocupar por um curto tempo uma cadeira na Assembleia, Leitão contou com o afastamento do tucano Carlos Brito. Sua posse foi conduzida pelo presidente da Assembleia, José Riva. A comissão que o introduziu ao plenário, para o juramento de posse foi formada por Jair Mariano e Silval Barbosa. O ato foi prestigiado pela cúpula do PSDB, com a presença do vice-governador Rogério Salles e do secretário Hermes de Abreu (Justiça). Os vereadores por Sinop, José Pedro Serafini, Pascoal Hidalgo e Jorge Müller compareceram ao ato juntamente com os prefeitos de Marcelândia, Feliz Natal e Matupá.

Empossado deputado, Leitão espalhou outdoors por sua cidade com o dizer “Sinop agora tem deputado” e uma foto gigante dele em plenário. Essa propaganda soou mal, pois antes dele o município foi representado na Assembleia por Jorge Yanai, Jorge Abreu e Ricarte de Freitas.
Leitão na Assembleia era parte do plano liderado pelo governador tucano Dante de Oliveira, de controlar a política mato-grossense por longo período. Jovem, com possibilidade de ser prefeito de Sinop, cidade então integrante do chamado Brasil que dá certo, assim, Leitão ganhou espaço no grupo de Dante, que era suprapartidário e tinha em sua cúpula Thelma de Oliveira, Antero Paes de Barros, José Riva, José Rosa, Carlos Avallone, Humberto Bosaipo, Wilson Santos, Roberto França, Eliene Lima, José Carlos Novelli, Carlos Brito, Chico Daltro, Valter Albano, Alencar Soares, Renê Barbour, Pedro Satélite, Permínio Pinto, Antônio Joaquim, Hermes de Abreu, Hilário Mozer e outros.
PREFEITURA – Em 2000 Leitão foi eleito prefeito de Sinop e em 2004 repetiu a dose. Na primeira eleição tinha a proteção do governador Dante de Oliveira; sua chapa foi formada com a candidatura de Sinéia Abreu para vice-prefeita. Sinéia é viúva de Jorge Abreu, que morreu num acidente aéreo quando cumpria mandato de deputado estadual. Na outra, enfrentou a máquina do governo que era chefiado por Blairo Maggi.
Antes da reeleição para a prefeitura Leitão foi paparicado pelo tucanato nacional. O senador paulista José Serra era ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso e escolheu Sinop para oficializar sua intenção de disputar a Presidência em 2002. Em 31 de janeiro de 2002, Serra desembarcou naquela cidade acompanhado pelo líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães (BA) e o deputado federal tucano anfitrião Ricarte de Freitas. Misturando agenda de ministro com a de político Serra assinou um convênio de R$ 5,5 milhões com a prefeitura e o governo para a construção do Hospital Municipal e entregou para municípios do Nortão quatro ambulâncias, dois ônibus e quatro veículos para o combate a dengue. Sinop tinha 79.513 habitantes e carregava o incômodo de “Capital Nacional da Dengue“. O secretário municipal de Saúde, Helder Umburanas hostilizava jornalistas que cobriam a visita de Serra, demonstrando descontentamento com o rótulo pejorativo da cidade. Leitão, mais habilidoso, jogava a culpa na topografia plana de sua cidade, “a água não escoa, vai se acumulando, empoçando e dá nisso (a dengue)”, me disse.
Serra assumiu a candidatura e jogou fogueira no projeto do senador Antero Paes de Barros (PSDB) de concorrer ao governo com Janete Riva, do mesmo partido, em sua chapa. Janete é mulher de José Riva. Mesmo entusiasmado com a recepção e fazendo pose para as imagens o tucano não assumiu compromisso de concluir a pavimentação da BR-163 entre Nova Santa Helena e Santarém.
CÂMARA – Embalado com sua carreira política Leitão concorreu a deputado federal em 2010. O resultado não o abalou, muito embora seu nome não constasse entre os oito eleitos. Naquele ano a Justiça Eleitoral batia cabeça com a Lei Ficha Limpa, que não foi validada para o pleito de outubro. Mesmo sem vigência, na confusão, foram desconsiderados os 2.098 votos recebidos pelo candidato a deputado federal Willian Dias, o Tenente Willian (PTB), que disputou pela coligação Jonas Pinheiro (PSDB, DEM e PTB), o que resultou na posse de Ságuas Moraes (PT). Leitão brigou na Justiça por seus direitos e em 13 de julho de 2013 ficou com a cadeira até então ocupada por Ságuas. Em 20 de maio de 2014 assumiu a presidência da Frente Nacional da Agropecuária (FPA).
Reeleito em 2014 com 127.749 votos, Leitão foi o mais votado para o cargo naquele pleito em Mato Grosso. Leitão foi vice-líder da Oposição na Câmara. Em 14 de fevereiro de 2017 assumiu a presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) sucedendo o deputado Marcos Pontes (PSD/MG) e em 20 de fevereiro de 2018 transmitiu o cargo para a deputada Tereza Cristina (DEM/MS), que hoje é ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Jair Bolsonaro. Em 2018 foi líder do PSDB na Câmara e o presidiu regionalmente.
Em plenário Leitão assumiu com tanta intensidade a bandeira ruralista, que nem mesmo um pé de soja transgênico parecia tanto com o agronegócio quanto ele. Firmou posicionamento contra a Funai e a demarcação de terras indígenas e abriu confronto com a agricultura familiar e o MST.
SENADO 2018 – A bandeira do agronegócio não rendeu votos para Leitão em 2018 quando disputou o Senado numa chapa partidária ficando em quinto lugar com 330.430 votos. Essa chapa se completava com os suplentes Luiz Carlos Nigro, de Cuiabá, e Rejane Garcia, vice-prefeita de Água Boa.
EM FAMÍLIA – Na eleição municipal de 2012 em Sinop, Leitão lançou sua mulher, a advogada Renata Leitão (PSDB) candidata a vice-prefeita na chapa do também tucano e ex-deputado estadual Dilceu Dal’Bosco. O vencedor foi Juarez Costa (MDB), que se reelegeu ao cargo numa dobradinha com a atual prefeita Rosana Martinelli (PL). Juarez recebeu 35.017 votos, e Dilceu, 22.275. Juarez agora é deputado federal pelo MDB.
Atrás das grades
Em 17 de maio de 2007 a Polícia Federal cumpriu 40 mandados de prisão e 84 de busca e apreensão em Mato Grosso, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, São Paulo, Sergipe, Pernambuco e Piauí. Os mandados foram expedidos pela ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça e resultaram na Operação Navalha. Investigações apontaram que teriam sido desviados ao menos R$ 31 milhões na construção de obras municipais com recursos dos ministérios de Desenvolvimento, Planejamento e Gestão; Meio Ambiente; Minas e Energia; Integração Nacional; e Cidades, além do Departamento Nacional e Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Pesava contra Leitão a suspeita que teria recebido R$ 200 mil em propina da empresa Gautama – pivô de Navalha – que executaria uma obra de Saneamento em Sinop para construir rede de esgoto e tratamento do mesmo em 40% da cidade. A sede da Gautama fica em Salvador. Agentes da Polícia Federal filmaram Leitão em Brasília com um envelope amarelo, onde estariam R$ 100 milhões que seriam antecipação de propina. O prefeito foi preso em Sinop no dia 17 de maio de 2007 e trazido para Cuiabá, de onde foi levado a Brasília no Voo 3898 da TAM (agora LATAM) para a Penitenciária da Papuda, onde permaneceu atrás das grades por quatro dias, até sua prisão ser relaxada por Eliana Calmon. A abertura do envelope não foi acompanhada pela PF. Em nome do princípio da presunção da inocência o Ministério Público Federal pediu sua soltura. Leitão nega a acusação. O delegado José Maria Fonseca, que conduziu o caso, não conversou com a imprensa. Leitão jura inocência.
Inocentado, Leitão recebeu indenização por reparação de danos morais sofridos com a exposição de seu nome.

Além desse caso, Leitão também esteve envolvido em outros, a exemplo do escândalo Sanguessuga ou Máfia das Ambulâncias, que ganhou as manchetes em 2006 envolvendo mais de 70 prefeitos mato-grossenses e boa parte da bancada federal. Sanguessuga foi uma vergonhosa corrupção para a compra com recursos de emendas parlamentares, de ambulâncias e unidades móveis de saúde montadas em Cuiabá pela empresa Planam. Leitão nega tal acusação.
No escândalo Sanguessuga além de Leitão, também foram denunciados os prefeitos e ex-prefeitos Celso Banazeski (Colíder); Adriano Pivetta (Nova Mutum); Romoaldo Júnior (Alta Floresta), agora deputado estadual pelo MDB; Jesur Cassol (Campo Novo do Parecis); Ezequiel Fonseca (Reserva do Cabaçal); Maria José Borges (Dom Aquino); Aloir José Luke (Nova Guarita); Cidinho dos Santos (Nova Marilândia), à época presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM); Francelino Pedro da Silva Filho, o Francinha (Guiratinga), já falecido; Padre Antonino Cândido da Paixão (São José do Povo); Otaviano Pivetta (Lucas do Rio Verde), agora vice-governador pelo PDT; Roberto Carlos Barbosa (Glória D’Oeste); Lourival Carrasco (Mirassol D’Oeste); Reinaldo Tirloni (Tapurah), já falecido; Nelson de Moraes (Pedra Preta); Nelci Capitani (Colniza); Ismael dos Santos (Planalto da Serra); José Bauer (Nova Ubiratã); Onéscimo Prati (Campo Verde), já falecido; Giovane Marchetto (Marcelândia), já falecido; Olídio Pedro Bortolas (Santa Carmem); Denir Perin (Querência); Valdizete Nogueira (Jaciara); Marcelo Alonso (Nova Maringá); Antonio Domingos Debastiani (Feliz Natal); João Batista de Sá (Torixoréu); Antônio Rodrigues da Silva, o Tonho de Menino Velho (Poxoréu), agora eminência parda do prefeito Zé Carlos do Pátio (SD), de Rondonópolis; Marco Aurélio Fullin (Bom Jesus do Araguaia), já falecido: Joaquim Matias Valadão, o Bananeiro (Campinápolis); Hélio José do Carmo (São José do Xingu), já falecido; Gilberto Siebert (Cotriguaçu); Devair Valim (Nobres); Revelino Trevizan (Porto dos Gaúchos), Érico Piana (Primavera do Leste); Priminho Riva (Juara); Lutero Siqueira (Guarantã do Norte); Jayme Campos (Várzea Grande), agora senador pelo Democratas; Luiz Cândido de Oliveira (Terra Nova do Norte); Pedro Alcântara (Paranaíta), já falecido; Isolete Corrêa (Brasnorte);Silda Kochemborger (Apiacás); Ilson Matinscke (Santa Rita do Trivelato), já falecido; José Miguel (Rio Branco); Roque Carrara (Nova Santa Helena); e muitos outros.
Suplentes

Leitão encabeça a chapa que se completa com Júlio Campos (DEM) e José Márcio Guedes, o Zé Márcio (PL). Ao Tribunal Regional Eleitoral Júlio declarou patrimônio de R$ 18 milhões. Zé Márcio, sustenta que seus bens somam R$ 1.374.036,90. Leitão entrou em detalhe sobre seu patrimônio: tem R$ 863.814,65.
Júlio é danado. Sempre foi. Em 11 de dezembro de 1946, quando nasceu, em Várzea Grande, seu primeiro gesto foi dar um tapinha no ombro da parteira – começava ali sua carreira política.
Em 1972 Júlio não era filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), mas o grupo político liderado por seu pai, Júlio Domingos de Campos, o seo Fiote o queria candidato a prefeito de Várzea Grande. À época a Justiça Eleitoral não tinha controle sobre as filiações, que ficavam a cargo da Arena e o oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que carinhosamente era chamado de Manda Brasa. Para se filiar bastava ao eleitor fornecer o nome e o número de título e assinar no canto direito do livro específico, que ficava sob a guarda do secretário do partido. Por malandragem, tanto Arena quanto MDB sempre deixavam algumas linhas em branco à espera de alguma filiação estratégica. Júlio lançou mão desse expediente. Do gesto populista com a parteira, avançou pra fraude propriamente dita. A Arena exibiu o livro ao juiz eleitoral e esse homologou sua candidatura. Definitivamente, há 48 anos Júlio subiu ao palanque e nunca mais desceu, nem mesmo quando foi conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Júlio é político de berço. Seo Fiote, o patriarca dos Campos, foi vereador e por duas vezes prefeito de Várzea Grande. Irmãos e outros partentes também são políticos, com destaque para o mano, Jayme (DEM) que é senador, e a cunhada Lucimar (DEM), prefeita de Várzea Grande.
De 1965 a 69 Júlio cursou Agronomia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, em Jaboticabal, interior paulista e militou na política estudantil tendo presidido a Associação dos Estudantes de Mato Grosso, em Goiás. Após a faculdade especializou-se em Cooperativismo, Economia Rural e Zootecnica.
Com o diploma debaixo do braço Júlio voltou para Mato Grosso. A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) nasceu em dezembro de 1970 e, no ano seguinte, Júlio integrou o grupo de jovens professores que a fez movimentar, sob a reitoria do médico Gabriel Novis Neves.
Pouco antes da UFMT e depois paralelamente com ela, foi secretário de Viação e Obras Públicas de Várzea Grande.
Admirador do senador Filinto Müller, Júlio se filiou ao PSD em 1968, mas os partidos foram extintos dando lugar a Arena e MDB. Apadrinhado politicamente foi nomeado engenheiro-chefe do Setor de Colonização e Operações da Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat) atuando em Cáceres numa área que mais tarde formaria os municípios de Salto do Céu, Rio Branco, Lambari D’Oeste e outros.
Júlio estava na Codemat quando o grupo político que o queria prefeito o buscou para se candidatar em Várzea Grande.
O mandato de Júlio foi de seis anos e terminou em 1977. A próxima eleição seria estadual e se realizaria em novembro de 1978. Mal saiu da prefeitura pegou a estrada em campanha para deputado federal e se elegeu.
O estouro da boiada

Roberto Campos, não; Embaixador Roberto Campos. Assim o chamavam. Era o brasileiro com maior trânsito nos meios econômicos e nas instituições financeiras mundo afora. Seus críticos o apelidaram Bob Fields.
Júlio, danado que só ele, viu no Embaixador Roberto Campos tudo aquilo que precisava pra realizar seu sonho de governar Mato Grosso. Depois da nomeação de três governadores eleitos pelo voto indireto, via Colégio Eleitoral (José Fragelli, Garcia Neto e Frederico Campos) chegava o momento de o eleitor escolher diretamente seu governante. Alguns caciques políticos brigavam pra que o Embaixador Roberto Campos fosse candidato ao Senado – como ele queria – por seus estados. Paulo Maluf, de São Paulo, oferecia céus e terra por aquela candidatura, mas quem a conseguiu foi Júlio. Isso mesmo. Júlio a trouxe pra seu Estado.
O Embaixador Roberto Campos saiu candidato ao Senado em 1982 com Júlio ao governo. Ambos pelo PDS (sucessor da Arena). A disputa seria por voto vinculado – quem votasse num candidato de um partido teria que votar em todos, para os demais cargos, na mesma sigla.
A campanha do Embaixador Roberto Campos foi a maior compra de votos no Brasil em todos os tempos, incluindo os atuais, onde a prática continua direta e indiretamente. Representantes do candidato percorriam os municípios comprando apoio. Candidato e eleitores se prostituíram. Desde então, mandato em Mato Grosso, salvo uma ou outra exceção, não é resultado da manifestação nas urnas, mas da compra de votos.
Foi tão grande a compra de votos, que o Embaixador Roberto Campos mandou construir uma moderna sede para o Jornal Diário de Cuiabá, na avenida XV de Novembro, no bairro Porto, onde aquele matutino era impressso em acanhadas instalações.
A eleição ao Senado em 1982 foi disputada em sublegenda (cada partido podia lançar até três candidatos e seus votos se somavam; a sigla que alcançasse o maior número ficaria com a cadeira). A dinheirama surtiu efeito. O Embaixador Roberto Campos (PDS) recebeu 147.293 votos e Gabriel Novis, seu correligioário, 51.428. Pelo PMDB o mais votado voi o ex-governador Garcia Neto, com 106.734. Júlio nadou de braçadas: 203.605 votos enquanto seu principal adversário, o Padre Raimundo Pombo cravou 188.878 votos; seu vice foi Wilmar Peres de Farias, de Barra do Garças. Na composição da Câmara, PDS e PMDB empataram em quatro cadeiras.
Ainda hoje, transcorridos 38 anos daquele pleito, ainda se fala que houve fraude eleitoral na vitória de Júlio ao governo. Pode até ser que algo irrelevante no quantitativo tenha ocorrido, mas nada capaz de mudar o curso da decisão popular. Na verdade, essa crítica, à época, era uma forma de esconder a verdade dos fatos: a venda deslavada de votos, prática que persiste e que evoluiu podendo ser feita por meio de incentivos fiscais, empregos públicos, facilidades pra se prestar serviço ou vender produtos aos poderes, mas sem prejuízo da tradição do fumaça pra lá, Santo Antônio pra cá.
À época da eleição do Embaixador Roberto Campos ao Senado e de Júlio ao governo, o Ministério Público era voz silenciosa, a Imprensa, tanto quanto agora, manietada, e não havia redes sociais.
Maluf quando brigou pelo Embaixador Roberto Campos sabia a razão pra briga. Senador, não pelo mandato, porque sua influência internacional ia muito além, ele canalizou para seu Estado os projetos Cyborg e Carga Pesada – o primeiro para trazer linhões de energia e interligar Mato Grosso ao sistema nacional.; e o segundo, para pavimentar rodovias, com destaque para a BR-163, do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, a Nova Sanata Helena, e a BB-070, de Pontal do Araguaia/Barra do Garças a Cuiabá.
Com o Embaixador Roberto Campos a dinheirama corria fácil no governo de Júlio. É dessa época o apelido Julinho Bereré – que divide opiniões quanto a origem: uma corrente sustenta que seja por conta do dinheiro farto que corria nos cofres públicos; outra, que se deve a suposta roubalheira que teria acontecido no período.
Júlio realizou grandes obras estruturantes e, parte delas, graças a recursos internacionais obtidos pelo Embaixador Roberto Campos, que virou senador. Os projetos Cyborg, para construção de linhas de transmissão de energia, e Carga Pesada, de pavimentação rodoviária mudaram o perfil de Mato Grosso numa época em que o governo não tinha tanta fonte de receita como agora, com o Fundo Estadual de Habitação e Transporte (Fethab) etc.
Júlio pavimentou 2.200 quilômetros de rodovias. Ligou Canarana e Barra do Garças a Cuiabá; levou asfalto até Nova Santa Helena, no trevo para Alta Floresta; asfaltou de Jangada a Tangará da Serra e abriu a Rodovia Transmato-grossense entre Tangará e Juína. Poxoréu foi contemplada cm a pavimentação da MT-130, que faz sua ligação com a BR-070 perto de Primavera do Leste, e com Rondonópolis. Júlio deu a essa estrada o nome de Osvaldo Cândido Pereira – Moreno – ex-prefeito de Poxoréu e ex-deputado estadual. Seu governo construiu milhares de casas populares, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e escolas, Seu estilo de governador, coronelesco, valorizava muito os companheiros, mas era duro com adversários. Seu slogan, inspirado em JK, era: 4 Anos de Governo e 40 Anos de Progresso.
Vaidoso, Júlio percorria Mato Grosso acompanhado pela Banda de Música (agora Corpo Musical) da Polícia Militar. Em seus eventos a banda tocava insistentemente a marchinha: “Júlio, Júlio. Júlio, homem de grande valor / Júlio, Júlio, Júlio… Júlio meu governador…“. Quando retornava de Brasília para Cuiabá, bem tarde da noite, observava atentamente o grupo que o esperava no aeroporto. Se notava a ausência de algum afortunado secretário, no outro dia o encostava na parede. Com ele era assim: ou comparece ou desaparece.
Prudência e caldo de galinha

O tempo passa. Começou o quarto ano da sua administração e Júlio queria continuar no poder. Em maio de 1986 renunciou para disputar e vencer a eleição para deputado federal. Não arriscou um olho saindo ao Senado, porque o governo desgasta, mas não a ponto de impedir eleição a cargo proporcional.
O momento eleitoral era amplamente favorável ao PMDB, que à época elegia poste – como se dizia – por se tratar da primeira eleição após a redemocratização que elegeu indiretamente Tancredo Neves presidente e José Sarney seu vice. Tancredo morreu e Sarney assumiu.
Naquele pleito, em Mato Grosso o PMDB elegeu Carlos Bezerra governador, e os senadores Márcio Lacerda e Louremberg Nunes Rocha. Para a Câmara Júlio foi o mais votado, com 61.002 votos. Na sequência descrescente os peemedebistas elegeram Osvaldo Sobrinho, Joaquim Sucena, Antero Paes de Barros, Rodrigues Palma e Percival Muniz; ainda descrescendo, Jonas Pinheiro, pelo PFL, e Ubiratan Spinelli, pelo PSD.
Wilmar concluiu o mandato. Júlio saiu fortalecido do governo e da disputa eleitoral de olho em 1990.
Familiocracia ou Camposcracia?
O ano de 1990 foi o mais vitorioso para os filhos de seo Fiote. Jayme se elegeu governador e Júlio senador. Jayme ganhou a Prefeitura de Várzea Grande em 1982, quando o mano Júlio chegou ao Palácio Paiaguás – cumpriu seis anos de mandato e, depois, durante dois anos percorreu Mato Grosso pedindo votos ao governo.
Na eleição de 1990 nasceu o apelido Jayme Pedra 90, que misturava a época com a pedra maior do bingo. Jayme se elegeu com 401.005 votos (66,85%) e seu principal adversário, Agripino Bonilha Filho/PMDB recebeu 83.053 (13,85%); também se candidataram Luiz Alberto Scaloppe, pelo PT, e Luiz Soares, pelo PSDB. Dois fatos interessantes marcaram aquele pleito: o vice de Jayme foi o deputado federal Osvaldo Sobrinho, que antes militava no PMDB, mas que foi para o PTB, o que facilitou a dobradinha com Pedra 90 – Campos não brinca em serviço. Outro fato: o Tribunal Regional Eleitoral restringiu a Cuiabá e Várzea Grande a propaganda eleitoral no rádio e televisão, o que praticamente cortou as duas pernas de Bonilha, que era pouco conhecido fora da capital.
Júlio patrolou ao Senado, com 331.212 votos tendo o ex-prefeito de Rondonópolis e ex-deputado estadual Zanete Cardinal em sua primeira suplência. O segundo colocado foi Carlos Bezerra (PMDB), com 136.238 votos. Naquele pleito Júlio também venceu o atual vice-governador, Otaviano Pivetta (PDT). À época Pivetta era filiado ao PSB e foi primeiro suplente de Moisés Martins (PDT); a chapa com Pivetta não passou de 50.986 votos.
Que mancada terrível…
Sobre política, em Mato Grosso, há duas certezas: Carlos Bezerra não deixa o PMDB e o leva pra onde quer. Foi assim em 1998, quando Bezerra ainda tinha quatro anos de mandato no Senado e decidiu concorrer ao pleito. Concorrer numa dobradinha com Júlio (PFL) ao governo. Essa estranha aliança não soou bem e passou a ser vista como negociata de ambos os caciques. Nacionalmente Bezerra sempre combateu a Arena e seus sucessores, enquanto Júlio nunca deixou aquele segmento. No âmbito estadual, sempre estiveram em palanques diferentes.
Ninguém testemunhou o entendimento entre Bezerra e Júlio. Ningúem também sabe quanto cada um tinha na conta-corrente antes desse entendimento, nem imediatamente depois dele. O que todos sabem é que Júlio, senador em final de mandato, se lançou ao governo, e Bezerra, que ainda seria senador por mais quatro anos, se aventurou por novo mandato. O caminho natural para Júlio seria mesmo tentar o governo. Bezerra, sem nada a perder, pelo menos naquela eleição, tentou fazer o raio cair pela segunda vez no mesmo lugar.
Júlio perdeu feio para Dante de Oliveira (PSDB) Numa chapa tucana com o vice Rogério Salles, Dante recebeu 472.409 votos; dobrando com petebista Rodrigues Palma, Júlio cravou 332.023. Bezerra foi massacarado por Antero Paes de Barros (PSDB), mas a fatura de sua aventura somente lhe seria apresentada quatro anos depois, quando disputou o Senado, mas ficou pelo caminho, atropleado por Jonas Pinheiro (PFL) e Serys Slhessarenko (PT).
Juntando os cacos
Cuiabá, 28 de junho de 2002. Júlio toma posse no Tribunal de Contas do Estado (TCE), por indicação da Assembleia e com homologação do governador Rogério Salles. Júlio ocupa a cadeira de Oscar Ribeiro, mas fica pouco na dita corte de contas que é órgão auxiliar da Assembleia. Em 12 de dezembro de 2007 Júlio se aposentou precocemente aos 61 anos. Em seu lugar assumiu Waldir Teis, que antes do TCE foi secretário de Fazenda de Blairo Maggi. Com Teis, Blairo começou a marcar território do TCE.
Mesmo conselheiro do TCE e, portanto impedido de participar de discussões partidárias, Júlio era figura presente e destacada nos eventos do Democratas. À época costumava-se dizer que ele líder daquele partido no pleno do TCE.
Na eleição de 2006 o mano Jayme Campos se elegeu senador. Dois anos depois Júlio se lançou candidato a prefeito de Várzea Grande pelo DEM, mas foi derrotado por Murilo Domingos (PR); Murilo recebeu 72.519 votos; Júlio, 45.688; e Nico Baracat (PMDB), 7.057.
Em 2010 Júlio voltou à cena conquistando mandato de deputado federal pelo Democratas, com 72.560 votos; ficando em sexto entre os eleitos, sendo que Wellington Fagundes (PL) foi o campeão de votos ao cargo.
Jayme e Júlio faziam dobradinha familiar ou familiocrata no Congresso. Agora, ambos querem repetir essa façanha, mas com os dois no mesmo plenário – no Senado, algo questionado por boa parte do eleitorado.
Cassação e transplante

Em julho de 2014 a lenta Justiça Eleitoral em Mato Grosso cassou os direitos políticos de Jùlio por crimes de caixa 2 na campanha em 2010. Não somente por esse impedimento, mas pelo delicado quadro de saude que o deixava debilitado, Júlio não disputou a eleição naquele ano.
Em dezembro de 2015, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Ttribunal Superior Eleitoral, em decisão moncrática, devolveu os direitos políticos de Júlio.
Em dezembro de 2017 Júlio se submeteu a um transplante de fígado no Hospital São Carlos, em Fortaleza (CE). Recebeu o órgão de um doador que tinha 24 anos. A operação lhe devolveu a saúde. Durante 25 anos Júlio travou uma luta sem trégua contra uma cirrose hepática.
Júlio foi réu na Justiça de São Paulo por um duplo assassinato que teria sido motivado por disputa de terra em Mato Grosso. Segundo o Ministério Público Julio teria encomendado duas mortes, de supostos laranjas em uma área que seria sua. Nada se provou contra ele e o caso foi encerrado.
Memória de elefante

Júlio tem invejável memória. A todos chama pelo nome, mas nas poucas vezes em que esquece algum, chama o indivíduo de “Meu jovem“, independentemente de sua idade.
Político habilidoso, Júlio nunca se recusa a conversar com jornalistas. Sempre tem resposta pronta para tudo. Transita bem entre as diferentes gerações de políticos – sabe muito sobre boa parte deles. Conhece Mato Grosso como a palma da mão. Costuma ser ácido em frases curtas, mas procura dosar o veneno, pra não ser visto com ressalvas.
De cada 10 palavras que pronuncia, nove versam sobre política e, a outra, converge pra ela.
De sua vida pública podem ser extraídos pontos negativos e positivos. No caso específico do Senado, ao qual concorre enquanto suplente, deixou sua marca sendo autor da Lei 9.807 de 13 de julho de 1999, a Lei da Proteção Especial a Vítimas e Testemunhas.
Antes da pandemia, quando a eleição suplementar estava marcada para 26 de abril, Júlio estava em cena para concorrer ao cargo. Com a mudança de data, recuou.
Zé Márcio

Ex-vereador por Rondonópolis em dois mandatos, Zé Márcio foi indicado pelo então deputado federal liberal e agora senador Wellington Fagundes para a chefia do gabinete do à época governador Blairo Maggi, em 2009. Em 2010 Silval Barbosa assumiu o governo, e empurrado por Wellington, Zé Márcio foi nomeado secretário-adjunto de Pavimentação Urbana da Secretaria de Estado de Transporte e Pavimentação Urbana no governo de Silval Barbosa. Depois o Wellington o levou para sua assessoria, função que exerce até o momento, porém está afastado para concorrer pela chapa de Leitão.
Zé Márcio foi indicado por Wellington para compor a chapa de Leitão. É considerado homem de confiança do senador.
Sua passagem pelo governo de Silval aconteceu num período e na secretaria onde aparentemente estava o pivô da corrupção. Silval e seu ex-chefe de gabinete Sílvio Corrêa, em delação premiada ao Ministério Público Federal homologada pelo Supremo Tribunal Federal asseguraram que o governo pagava mensalinho a deputados estaduais para não interferirem nos esquema de bastidores sobre as obras para a Copa do Mundo de 2014 e o programa rodoviário MT Integrado. Nada se falou sobre Zé Márcio, mas ele exercia função importante no epicentro do esquema corrupto.
PS – O quarto capítulo será postado no sábado, 3 de outubro, à noite
Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Maurício Barbant
2 – Arte – Marco Antônio Raimundo – Marcão
3 – Agência Câmara
4 – Geraldo Tavares
5 – blogdoeduardogomes
6 – Academia Brasileira de Letras
7 – Instituto Memória do Poder Legislativo
8 – Facebook de Júlio Campos
9 – Dinalte Miranda – Tuiuiú
10 – Assessoria do senador Wellingon Fagundes
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