O Fusca nosso de cada dia

– Ele ofusca a gente. Reclama um dos jovens na mesa da cervejada depois da pelada domingueira num ensolarado domingo no final dos anos 1960.
– Ofusca muito. Concorda outro peladeiro com um copo firme na mão.
Quem ofuscava?
– Claro que era o dono do Volkswagen, aquele carrinho miudinho que dividia a população em dois blocos: quem tinha um e aqueles que sonhavam com o danadinho.


Alemão, coisa nenhuma. Inventado na Alemanha com seu motor refrigerado a ar, pra suportar o calorão do deserto transportando soldados do poderoso exército nazista no Norte de África. O Fusca nasceu germânico em 15 de agosto de 1940, da prancheta do projetista Ferdinand Porsche, por ordem do ditador nazista Adolf Hitler, que lhe encomendou um carro pra transportar três soldados e uma metralhadora.

Em todos os sentidos Mato Grosso deve muito ao Fusca.

Injustas, as forças políticas e economicas mato-grossenses não o reverenciam nessa terra onde há município chamado Comodoro e vila com nome de Del Rey, em Carlinda.
Miudinho, mas com bom espaço interno: dois lugares na frente e três no banco traseiro, que cá prá nós, não era aconselhável aos grandalhões. O Fusca tem motorização variada: 1000cc, 1200, 1300 (o mais famoso), 1500 e 1600cc. Seu motor na traseira, protegido pela lataria, é refrigerado a ar. A distribuição, simples. O consumo, baixo. A velocidade pra os mais ousados poderia chegar a 150 km/h em condições expecionais. Na poeira a vedação funcionava bem e dispensava o guarda-pó. À noite, sem farol de milha ou auxiliar, não é recomendável viajar no Fusca. Nos atoleiros e areões, valente. Na buraqueira pula, mas os amortecedores resspondem bem. Não é impossível manusear o câmbio de quatro marchas, quando o cabo da embreagem quebra: o carrinho aceita bem passar marcha no tempo. Assistência mecânica era a coisa mais fácil possível (hoje, nem tanto pela sotistificação das oficinas). Todo mecânico conhecia as manhas e os principais defeitos: era um cabo de vela bambo, falta de lixa no platinado, carburador entupido, a bobina desgastada…

Sempre ao lado do motorista e dos passageiros? Não. O Fusca os abandonava quando chovia: seu limpador de pára-brisas estava pra visibilidade tal qual o chinês pro samba. Ninguém é perfeito, nem o carrinho.

Por onde se olhasse nas pequenas e grandes cidades o Fusca estava presente. Nas estradas, então nem se fala. O viajante que fazia os pedidos do comércio em Mato Grosso viajava em Fusca; o médico que chegava à pequena cidade pra atendimento, também. o táxi que nos levava da rodoviária pra casa, idem; a RP da PM que fazia ronda, então nem se discute; o padre que percorria as paróquias carregava orguhoso a chave do seu; o primeiro beijo de muitas senhoras grisalhas, avós e bisavós, foi no banco de um Fusca, o carrinho que entrou na vida de gerações de brasileiros mato-grossenses e dos demais estados.
Metido, o Fusca tinha versão emplumada, mas havia também o Pé de Boi, que conseguia a proeza de deixar sem acessórios o carrinho que já não os tinha.

Mato Grosso sempre foi praça boa pra venda do Fusca. Em 1973, o comerciante paulista de origem japonesa Sango Kuramoti instalou a Concessionária Volkswagen Trescinco, que durante a fabricação do Fusca foi uma das campeãs nacional de venda do modelo; Sango ganhou fortuna e se tornou líder empresarial. Em Rondonópolis, o empresário português Joaquim Alves de Lima montou uma concessionária, que era a segunda no Estado em volume de desova do carrinho.
De 1959 a 1986 o Fusca reinou, mas a Volkswagen o tirou da linha de montagem pra fortalecer o mercado do Gol, seu carro popular que brigava no mercado com o Corcel, Chevette e outros menos cotados. Itamar Franco mexeu com os pauzinhos logo após assumir a Presidência em 29 de dezembro de 1992, e no ano seguinte o velho e bom Fusca voltou aos braços, digo, às mãos dos motoristas, saindo zerinho da fábrica.
O retorno teve curta duração: em 1996, o carrinho saiu definitivamente a linha de produção.
MÉXICO – A Volkswagen passou a produzir um suposto Fusca estilizado, em Puebla, no México, e até o exportou para o Brasil, mas sem sucesso – não era a mesma coisa. Em 3 de janeiro deste 2020 a fabricação mexicana também encerrou seu ciclo.

MAGIA – Além do carinho dos brasileiros e de outros povos, a fábrica do Fusca soube promovê-lo bem. Em 1968, nos Estados Unidos o diretor cinematográfico Robert Stevenson lançou o filme Herbie: The Love Bug, que foi nacionalizado com uma dose de paixão virando Se meu Fusca falasse. Depois o longa ganhou uma série na TV americana.
No Brasil, inspirado na música Fuscão Preto (em vídeo nesta página), de Atílio Versutti & Mariel, o produtor Jeremias Moreira Filho dirigiu o longa de igual nome, que tinha no elenco ninguém menos do que Xuxa, o símbolo sexual da época.

Redação blogdoeduardogomes
FOTOS:
1 – Museu JK – Brasília
2 – Divulgação PMMT
3 – Agência Planalto
4 – Vargas de Losor
5 – Lorival Fernandes – Diário de Cuiabá
6 e 9 – Divulgação
7 – Arquivo internet
8 – Arquivo Diário de Cuiabá
10 -Revista Cegonha
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