Boa Midia

O que os advogados públicos têm feito na crise do coronavírus?

Caio Valença de Sousa
Em tempos de crise, no qual um inimigo silencioso ataca a sociedade mundial, a mensagem de Churchill nos incentiva: “É inútil dizer ‘estamos a fazer o possível’. Precisamos fazer o que é necessário”.

Com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, foram adotadas algumas medidas restritivas de atividades econômicas e sociais no país. Somente algumas atividades, as definidas como essenciais, foram liberadas.
O Decreto nº 10.282/20, que regulamenta a Lei nº 13.979/20, definiu como essenciais as atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas.
De certo modo, parece redundante a Advocacia Pública ser mencionada neste dispositivo, quando a própria Constituição Federal elenca a instituição como essencial à justiça, nos seus artigos 131 e seguintes.

Inseridos entre um dos atores das funções essenciais à justiça, os advogados públicos são os consultores jurídicos e representantes judiciais dos entes da Federação. Significa dizer que são os advogados dos entes federados em todos os ramos e instâncias, extrajudicial e judicialmente.

Leonardo Vieira de Souza

Por meio da consultoria, normalmente preventiva, os advogados do Estado informam os melhores caminhos a serem seguidos pelos gestores e governantes para consecução de políticas públicas; post factum, também é viável a consultoria jurídica para orientar os tomadores de decisão a respeito de qual a solução jurídica mais correta, barata ou eficiente para o Estado.

Do ponto de vista judicial, exerce-se a advocacia propriamente dita, com vinculação à Ordem dos Advogados do Brasil e algumas prerrogativas processuais típicas de carreiras de Estado.

Os advogados públicos integram a Advocacia Geral da União, em âmbito federal, e as procuradorias estaduais e municipais, nos respectivos entes federativos, assim como as procuradorias legislativas e autárquicas, onde existem.

A Advocacia Pública resguarda o interesse público da sociedade, seja no âmbito judicial, elaborando as defesas dos entes públicos, seja no extrajudicial, auxiliando a Administração Pública na sua finalidade, por meio dos pareceres e do controle interno, evitando, por exemplo, a corrupção.

Mas como os advogados públicos podem ser essenciais no combate ao coronavírus? Não são eles aqueles burocratas que apenas dificultam o trabalho dos gestores, que ficam em seus gabinetes reproduzindo defesas aos montes em processos de massa?

A essencialidade da advocacia pública tem sido bastante clara em Mato Grosso. A Procuradoria-Geral do Estado arrecadou meio bilhão de reais para os cofres públicos em 2019, tendo um aumento de quase 50% em relação a 2018, quando arrecadou aproximadamente 267 milhões de reais para os cofres estaduais .

Tais dados corroboram a ideia de que a Advocacia Pública é uma instituição superavitária, ou seja, traz lucro para o respectivo ente público. O aumento na arrecadação decorre de uma atuação eficiente na cobrança da Dívida Ativa.

Isso, sem dúvida, tem contribuído para manter a saúde financeira do Estado, que, mesmo diante da crise, mantém-se pagando regularmente os salários de todos os servidores do Executivo.
No tocante à saúde pública e ao combate contra o coronavírus, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato

Grosso viabilizou, por meio de pareceres jurídicos, a aquisição de ambulâncias , de leitos de unidade de terapia intensiva , de equipamentos de proteção individual , de 10.000 testes rápidos para a detecção do referido vírus .

Especificamente à COVID-19, os procuradores do Estado manifestaram-se em aquisições e contratos em valores que somam mais de 32 milhões de reais.

Além disso, a Procuradoria participou da elaboração do edital de licitação do novo Hospital Universitário Júlio Müller em 2019, a fim de viabilizar de forma célere o suporte jurídico necessário para a Administração Pública.

Também é importante mencionar que a instituição atua judicialmente combatendo pleitos e decisões desarrazoados, que não combinam com situações de normalidade, e, muito menos, com a pandemia que assola o mundo.

Os resultados das medidas de isolamento e de preparação na saúde já são evidentes. Mato Grosso está entre os Estados com menores índices de contágio, internação e mortes pelo vírus.

No âmbito federal, a Advocacia Geral da União conseguiu liminar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que determinou interpretação conforme a Constituição dos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020.

Tal medida viabilizou a implementação de medidas sociais e econômicas no combate ao coronavírus sem levar em consideração o aumento de gastos públicos, em razão da situação excepcional vivida no país. Tal decisão produz efeitos para todos os entes federados, haja vista a natureza nacional da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ademais, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso conseguiu liminar no Supremo Tribunal Federal, em ação cível originária, que determinou a suspensão pelo período de 180 dias de dívida de mais de 10 milhões de reais por mês do Estado com a União.

Além disso, com o processo judicial eletrônico e a instituição do teletrabalho no período de isolamento, permitiu-se a manutenção regular das atividades dos advogados públicos. Para se ter uma ideia, a Procuradoria de Mato Grosso, nos primeiros 15 dias de isolamento, elaborou mais de 4700 manifestações administrativas e processuais , relacionadas não somente ao combate contra o coronavírus, mas também, de modo mais abrangente, ao resguardo cotidiano do Erário estadual.

Como se não bastasse, no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios, os advogados públicos têm atuado em constante colaboração com os gestores públicos, seja na tomada de decisões, seja na elaboração de atos normativos, garantindo a segurança jurídica que deve pautar a atuação pública e que também confere segurança à população.

Não parece que são os advogados públicos meros burocratas despreocupados com a finalidade social de suas funções.

José Afonso da Silva há bastante tempo enunciou este papel do advogado público, reconhecendo “sua responsabilidade pela plena defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana” e afirmando que os membros da advocacia pública “saíram da mera condição de servidores públicos burocráticos, preocupados apenas com o exercício formal da atividade administrativa de defesa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública, para se tornarem peças relevantes da plena configuração desse tipo de Estado [Democrático de Direito]”.

Essa nova perspectiva da advocacia pública é reflexo da busca por boas práticas na gestão pública, tanto que já se fala hoje em um direito fundamental à boa administração , o que, decerto, passa a se inserir entre as atribuições proativas dos advogados públicos.

Diante de tudo isso, não há como negar a importância desta instituição no combate ao inimigo que ataca o nosso país e, ainda que redundante, merece destaque o reconhecimento do Poder Executivo Federal manifestado por meio do Decreto nº 10.282/20: a advocacia pública é atividade essencial ao Estado e sua essencialidade tem sido demonstrada por meio de atos concretos, especialmente em Mato Grosso.
Repetindo Churchill, a Advocacia Pública deve fazer o necessário para resguardar *o Estado brasileiro. O possível não basta. É isso que temos feito na crise do coronavírus.

Caio Valença de Sousa
Especialista em Direito Administrativo
Procurador do Estado de Mato Grosso

Leonardo Vieira de Souza
Especialista em Direito Público
Mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa e pela UFMT
Vice-Presidente da Comissão do Advogado Público da OAB/MT
Diretor da Escola da Advocacia Pública de Mato Grosso
Procurador do Estado de Mato Grosso

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