BR-163 – Uma rodovia para dois novos estados

Terra vazia é área a ser conquistada. Em nome desse princípio os militares de 1964 rasgaram o cerrado e a floresta pra interligarem o centro geodésico da América do Sul à foz do Tapajós no Amazonas, no auge do bordão Integrar pra não entregar. Assim, o Brasil ganhou o trecho da BR-163 que no Pará é chamado de Santarém-Cuiabá, e em Mato Grosso, de Cuiabá-Santarém. Testemunha de sua execução e nunca distante de sua realidade, sinto-me verdadeiro vencedor ao ver o presidente Jair Bolsonaro entregar sua pavimentação ao tráfego. Rota de integração nacional, a BR-163 também foi fator decisivo para a colonização do Nortão. Obra que deveria obrigatoriamente ser aplaudida por todos essa grande rodovia longitudinal sofreu e sofre boicotes tanto no plano nacional quanto internacional.

Nós brasileiros somos povo fraco, oportunista e sem apelo nacionalista. Infelizmente somos assim. Mas, felizmente sempre tivemos líderes que nos proporcionaram tantas conquistas nesta descomunal pátria com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, que a ireverência quase coletiva entende que se resume ao Sul e Sudeste e em especial ao eixo Rio-São Paulo.
Foi graças ao líder e estadista José Vieira Couto de Magalhães que o Brasil vislumbrou a BR-163 ao Norte de Cuiabá. Couto Magalhaes, mineiro de Diamantina, governou Mato Grosso e fundou Várzea Grande para ser presídio militar quando da guerra do Brasil e aliados contra o Paraguai. Foi ele quem primeiro percebeu que Mato Grosso precisava de uma saída terrestre para escoar ouro e diamante para a Europa via Pará,

Juscelino Kubitschek, maior estadista brasileiro de todos os tempos, em 1957 anunciou o plano para criar uma cruz rodoviária na Amazônia ligando o Brasil de Leste a Oeste e de Norte ao Sul. Em suma JK sonhava com a construção da Transamazônica (BR-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163). Essa cruz mais tarde ganharia forma rodoviária no município paraense de Itaituba, onde as duas rodovias se cruzam.
Em 1964 os militares expurgaram o presidente Jango Goulart por suas ideais comunistas. Entre os líderes que governavam o Brasil havia preocupação com os vazios demográficos. A melhor forma de assegurar territorialidade é com a ocupação populacional. O vazio entre Cuiabá e Santarém precisava ser ocupado. Entrou em cena a construção da BR-163. A obra foi delegada ao Exército, que a executou por meio do 8º Batalhão de Engenharia e Construção (8º BEC), de Santarém, e do 9º BEC, de Cuiabá.

A parte que tocou ao 9º BEC foi executada e a obra foi além do previsto chegando ao córrego Santa Júlia (PA) tendo à frente o comandante daquela unidade militar, o coronel José Mirelles, mineiro a exemplo de Juscelino e Couto Magalhães. Mais tarde Meirelles seria vice e prefeito de Cuiabá.

Em 20 de outubro de 1976, na Cachoeira do Curuá, área em litígio entre Mato Grosso e Pará, mas sob tutela paraense, o presidente Ernesto Geisel inaugurou a rodovia. Geisel estava acompanhado pelos ministros Sílvio Frota (Exército) e Dirceu Nogueira (Transportes), e dos governadores Garcia Neto e Aloísio da Costa Chaves (Pará).

Uma estrada torpedeada pela pirraça do servidor público com aval dos governos estaduais. Esse foi o difícil começo da BR-163 em setembro de 1970.

Em Mato Grosso a BR-163 resultou no surgimento de dezenas de ciades, e no Pará, também, porém em menor proporção. Acontece que o regionalismo dos dois lados da divisa dificultava a composição dos quadros do funcionalismo públicos à margem e no eixo de influência da rodovia. A exemplo do que fez o funcionalismo no Rio de Janeiro quando JK transferiu a capital brasileira pra Brasília, em Cuiabá funcionários não aceitavam a ideia de serem transferidos para as vilas que surgiram no Nortão – a região que nasceu com a BR-163. A pirraça e as costas quentes eram tantas, que boa parte do professorado na nova região mato-grossense habitada era formada por professores da rede pública paranaense, que passou a cedê-la a custo zero. Do lado paraense a situação não era diferente.

Nem a pirraça, nem o isolamento, nem a malária e nem a falta de quase tudo impediu que o Brasil ganhasse a bela Sinop, nem Sorriso que é campeão mundial na produção agrícola. A lógica venceu a velhacaria e o oportunismo.

Assim, a BR-163 nos deu o Nortão, que até então se limitava ao município de Porto dos Gaúchos e a vila (agora cidade) de Novo Horizonte do Norte.. Viva nossa rodovia!

Em Mato Grosso, acuada pelo governo e o funcionalismo. No Pará, pressionada pela força política de Belém e o empresariado que opera navegação, a BR-163 não se curvou. Virou realidade. A pressão no trecho paraense era enorme. A classe política na capital paraense controla a navegação e não queria concorrência do transporte rodoviário. Além disso, havia (e continua havendo) uma grande rivalidade entre Belém e Santarém, cidades distantes mais de mil quilômetros uma da outra.

Asfalto – O embaixador Roberto Campos queria ser senador e tratou de articular recursos para Mato Grosso, com apoio do governo federal. Com financiamento internacional conseguido no período do governo de Frederico Campos, mas liberado após a posse de seu sucessor Júlio Campos, o Palácio Paiaguás recebeu dinheirama para obras rodoviárias pelo programa Carga Pesada. Assim, a BR-163 ganhou um trecho pavimentado com 620 quilômetros, do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, a Nova Santa Helena, Em 1984 o presidente João Figueiredo e Júlio Campos o inauguraram. Em direção oposta o 8º BEC pavimentou um trecho no sentido Santarém-Sul.

Logo após a inauguração desse trecho pavimentado a BR-163 entrou na mira do ecolouquismo internacional e se tornou satanizada, apontada como responsável pelo desmatamento, queimadas e garimpos na Amazônia. Nacionalmente a Igreja Católica, PT, PCdoB (agora Movimento 65), MST e boa parte da mídia fazem coro para rotulá-la satanizadora.

Superfaturamento – Acuada pelo ambientalismo internacional e nacional, a BR-163 passou a enfrentar outro problema, no final dos anos 1990. Por delegação do governo federal Mato Grosso assumiu a obra de pavimentação entre Nova Santa Helena e a divisa com o Pará. O Tribunal de Contas da União detectou superfaturamento de até 260% em alguns itens dessa obra, que era executada pelas empresas Andrade Gutierrez e Triunfo, contratadas pelo Departamento de Viação e Obras Públicas (DVOP). A cúpula do DVOP composta por José Carlos Novelli (agora conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e afastado judicialmente por suspeita de recebimento de propina), Vitor Cândia e outros, foi atingida em cheio, mas o caso caiu na galeria do esquecimento. A consequência foi a pior possível: a pavimentação ficou suspensa por longos anos.

Pinga-pinga – Nos governos dos presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer a obra avançou nos dois sentidos. Finalmente, Jair Bolsonaro a concluiu.
O amanhã – A conclusão da BR-163 abre horizontes para o Nortão e o Oeste paraense que tem por referência Santarém. As duas regiões são abandonadas por seus governos, independentemente de quem os exerça.

Com o asfalto as commodities agrícolas do Nortão ganham em logística tanto para o mercado internacional como para a cabotagem voltada aos estados nordestinos. Santarém, por sua vez, passa a contar com uma rota terrestre que facilita sua ligação com o Brasil exterior, além do universo amazônico interligado por barcos.
Que a BR-163 reacenda o sentimento de emancipação do Nortão e de Santarém. O Brasil será bem melhor, mais justo politica e socialmente quando forem criados os estados de Mato Grosso do Norte, com capital em Sinop, e do Tapajós, com sede em Santarém.
Que aos sonhos de Couto Magalhães, JK, Meirelles e tantos outros que lutaram pela BR-163 se juntem os nossos, pela redivisão territorial brasileira. Santarém e Sinop estão fadadas ao desenvolvimento social e ao crescimento econômico, com independência, sem amarras. Que o espírito de luta dos pioneiros do Nortão inspire sua população em busca do amanhã. Que a BR-163 facilite a criação dos dois estados.
Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes
FOTOS:
1, – blogdoeduardogomes
2 e 3 – Acervo público
4 – Dinalte Miranda
5 e 12 – 9º BEC
10 – Vargas Delosor
11 – Sinop Colonizadora
13 – Prefeitura de Santarém
14 – www.meridionalfm.com.br (Sinop)
15 – folhadoprogresso.com.br (Novo Progresso)
16 -Wikipedia
Belíssima reportagem, um verdadeiro documento história é para ler e guardar, parabéns!
Josué Murta Brandão – Rondonópolis – via Facebook
Vivendo e aprendendo com o nosso sábio e historiador Eduardo. Meus parabéns.
Baltazar Ulrich – Advogado e empresário – Cuiabá – via grupo de WhatsApp Boamidia
Parabéns Eduardo! Texto primoroso. Só você pra trazer tanta informação com uma fala direta e rica.
Marco Antônio Raimundo – Artista plástico e designer gráfico – Cuiabá – via grupo de WhatsApp Boamidia
Irretocável, Brigadeiro
Celso Aguiar