Boa Midia

UM NOME AO SENADO – Maria Lúcia

Pequena, franzina, a menina se agarrava com as duas mãos na corda de bacalhau que amarrava os latões de leite de 50 litros, para que não dançassem pela carroceria. Sem poder segurar o embornal com os livros, cadernos, lápis e apontador, ela pisava sobre ele. A cada 500, 600 metros o motorista parava para receber mais leite. Assim, ao longo de 41 quilômetros o caminhão leiteiro que lhe dava carona concluía o percurso de ida ao laticínio. Depois retomava o caminho de volta, pela estradinha esburacada, ora coberta por um canudo de poeira ora transformada num atoleiro sem fim na ligação de Sandovalina, onde morava, com Pirapozinho, onde estudava, no interior paulista.

A aventura na carroceria do caminhão leiteiro não era diária. Acontecia quando o velho ônibus que fazia a linha naquele trecho, quebrava. Havia risco, mas ela sequer tinha consciência disso e junto ao grupo de outras crianças de sua idade, brincava com a pureza e inocência dos anjos.

Esse roteiro a levava para 5ª série em Pirapozinho. A aventura não era somente chegar: ela se completava com o malabarismo para manter impecavelmente limpo o uniforme escolar, coisa que todos do grupo tiravam de letra usando um guarda-pó – vestimenta de proteção muito comum à época.

Sua infância não foi fácil, mas mesmo assim encontrava tempo para devorar boa parte do acervo da biblioteca da prefeitura, onde palmilhou os textos de Dostoievski, Tolstói, Victor Hugo, Machado de Assis, Jorge Amado, outros autores e gostosos contos e histórias infantis. Com uma pontada de orgulho seus pais acompanhavam suas proezas de leitora.

Entre uma viagem e outra a menina entrou na adolescência e depois de uma mudança de endereço escolar havia concluído o curso Normal em Presidente Prudente, a cidade mais importante da região de Sandovalina. Normalista e sonhadora, em 1971 deixou a Faculdade de Letras de Tupã, com um canudo debaixo do braço.

Maria Lúcia

Recém-formada, em fevereiro de 1973 desembarcou em Cuiabá, foi enleada por uma conspiração amorosa formada pelo calor, o azul do céu e o quê de encanto dessa cidade que brotou bem no centro da América do Sul. À época, homens e máquinas trabalhavam “em ritmo de Brasília”, como se dizia, em alusão ao piscar de olhos que foi a construção da capital federal pela ousadia do visionário JK. A correria era para concluir a construção da Universidade Federal (UFMT) criada em 10 de dezembro de 1970 no governo do presidente Médici.

Encantada pelo calor e o azul do céu, bateu às portas da UFMT. Foi atendida por Gervásio LeiteEsse encontro da menina-mulher com a Universidade em construção foi o primeiro passo de uma caminhada ditada por uma paixão avassaladora ao longo de 45 anos ininterruptos, que a cada segundo mais e mais as fez complemento uma da outra e vice-versa. Esse quase meio século de boa e salutar cumplicidade resultou numa arejada, fértil e fabulosa relação bem proveitosa para ambas. Para a normalista foi mais que uma função, pela multiplicidade de suas atribuições – sem abrir mão da missão de professora – pois lhe proporcionou amizades sinceras, alargou horizontes profissionais com conquistas iguais ao mestrado e doutorado. Para a Instituição virou marco referencial, pois aquela professora que no ontem era menina e se segurava na corda de bacalhau na carroceria do caminhão que a levava pra escola, foi agente da sua maior guinada física no campus de sua sede em Cuiabá e nos demais campi, quando sua reitora.

Deputado constituinte em 1947, presidente da OAB regional, desembargador do Tribunal de Justiça, escritor com várias obras publicadas, membro e presidente da Academia Mato-grossense de Letras, jornalista e professor da UFMT, Gervásio Leite que a acolheu foi uma das figuras mais notáveis de Mato Grosso em sua época.

Palmo a palmo. Tijolo a tijolo Mato Grosso ganhou sua UFMT, uma Universidade que é centro irradiador de ciência, cultura e saber na amplitude da palavra. Essa Universidade tem na sua argamassa impressões digitais de figuras abnegadas que deram o melhor de sua juventude para sua criação e consolidação num período que se caracterizou enquanto ponto de transição entre o vazio populacional nos anos 1970 que foi substituído pela densidade demográfica que não parava de crescer e aos poucos povoou a territorialidade mato-grossense, reforçada com a chegada de levas e levas de brasileiros em busca do amanhã, e que se juntaram os filhos da terra.

As digitais da menina que se segurava na corda de bacalhau que prendia os latões de leite na carroceria do caminhão que tantas vezes foi seu improvisado ônibus escolar estão no histórico da UFMT, a exemplo das digitais do primeiro reitor Gabriel Novis Neves. Melhor: povoam mentes e corações de milhares de alunos e ex-alunos, de servidores e professores daquela Instituição.

Caminheira desde o nascimento em Nova América, interior paulista, a menina que se segurava na corda de bacalhau na carroceira do caminhão encontrou ninho em Cuiabá, onde inicialmente foi hóspede do hotel de dona Teresa e a cada nascer do sol conquistou fragmentos da cidadania cuiabana que adquiriu plenamente e feliz compartilha com o marido Renato e os herdeiros Luciana, Renatinho, Jansen e Janaína, pois no teto onde vive a verdadeira família não há distinção entre filhos e genros, e todos formam a Perradinha.

Aquela menina que se segurava na corda de bacalhau que prendia os latões de leite na carroceria do caminhão é tudo isso na UFMT e também cidadã com posicionamento ideológico bem definido. Filiada ao PCdoB, foi homologada sua candidata ao Senado em 2018,  numa coligação que teve o senador republicano Wellington Fagundes enquanto postulante ao governo tendo Sirlei Theis (PV) na composição de sua chapa. Foi uma luta desigual contra verdadeiras máquinas do poderio econômico do agronegócio, que injetavam recursos em seus candidatos Jayme Campos (DEM), eleito para uma das vagas; Nilson Leitão (PSDB), Adilton Sachetti (PRB) e Carlos Fávaro (PSD). Além disso, a candidata Selma Arruda (PSL) estava em cena sem observar os limites e as regras sobre gastos eleitorais, o que resultou na cassação de sua chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral, por 6 a 1, em 10 de dezembro do ano passado. Em razão da condenação da senadora Selma Arruda a Justiça Eleitoral marcou eleição suplementar para 26 de abril – para preenchimento da vaga em aberto.

Aquela menina que se segurava na corda de bacalhau na carroceria do caminhão é a professora  Maria Lúcia Cavalli Neder, que foi reitora da UFMT em dois mandatos consecutivos, e que exerceu vários cargos na Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Esse casamento acabou?
Esse casamento acabou?

DESEMPENHO – Na campanha ao Senado em 2018 Maria Lúcia tinha pouco tempo no horário eleitoral: apenas 1 minuto e 20 segundos.  ficou em sétimo lugar entre os 11 candidatos ao cargo recebendo 172.259 votos. Sua chapa se completava com os suplentes Professor Gilmar Soares (PT) e Aluisio Arruda (PCdoB). Para a eleição suplementar em abril o antigo casório entre PCdoB e PT, que se fez presente em sua chapa, poderá não se repetir: o ex-deputado federal petista Carlos Abicalil está ao pé de um imaginário altar à espera de uma noiva que se chama candidatura ao Senado.

A campanha ao Senado pelos 11 candidatos em Mato Grosso consumiu R$ 14,3 milhões. O campeão em gastos foi o tucano Nilson Leitão, que torrou R$ 2,9 milhões. Maria Lúcia gstou R$ 1,8 milhão sendo que 89% desse montante foram custeados por seu partido. Ao Tribunal Regional Eleitoral a candidata comunista declarou patrimônio de R$ 1.318.040,68.

Em 2018 comunistas e petistas caminharam juntos em defesa de Maria Lúcia e Aluisio Arruda do PCdoB e do antigo militante do PT, Professor Gilmar Soares. Ambos os partidos têm um adversário em comum: o governo do presidente Jair Bolsonaro, que é forte em Mato Grosso apesar dos escorregões do Capitão. Analistas avaliam que abraçados eles terão boa chance de vitória em razão da pulverização de nomes do agronegócio; por outro lado, a avaliação é a de que em palanques diferentes repetirão os erros que DEM, PRB, PP, PSDB, PDT. PV e outros partidos planejam cometer – cada um defendendo um nome de suas fileiras.

 

Novamente

 

A professora e o Senado
A professora e o Senado

Os comunistas decidirão quem disputará a eleição suplementar, mas a julgar pelas entrevistas do presidente regional do partido, professor universitário Sérgio Negri, a escolha recairá sobre Maria Lúcia. Ela, com os cuidados de praxe, que são suprapartidários, não esconde o interesse e nem se arrisca a gritar, estou na área.

Não somente Maria Lúcia, mas os comunistas apostam no crescimento eleitoral do PCdoB em Mato Grosso  a partir da eleição suplementar. Isso, por conta de erros de  Bolsonaro, que desencantam e desagradam eleitores mato-grossenses, que em 2018 votaram em bolsonaristas do agronegócio ao Senado, Câmara, Assembleia e Governo.

RAZOABILIDADE – Maria Lúcia senadora não será uma faca no peito do agronegócio, pois ela entende que essa atividade econômica gera emprego tanto no campo quanto na cidade – mas que fique bem claro ao baronato da soja: se depender dela, não haverá referesco tributário nem omissão ambiental.

Caso o PCdoB chancele a candidatura de Maria Lúcia, independentemente de colicação ou não com os petistas teremos na disputa uma professora que a todos ensina com sua lição de vida.

 

PS – Esse é o sexto capítulo da série UM NOME AO SENADO. Leiam os anteriores:

1 – UM NOME AO SENADO: Sirlei Theis

2 – UM NOME AO SENADO: Waldir Caldas

3 – UM NOME AO SENADO – Neri Geller

4 – UM NOME AO SENADO – Nilson Leitão

5 – UM NOME AO SENADO – José Medeiros

Continuem acompanhando a série – única postagem que focaliza os virtuais candidatos ao Senado na eleição suplementar em abril.

Eduardo Gomes de Andrade – Editor de blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Agência Senado

2 – blogdoeduardogomes

3 – Flickr de campanha anterior

4 – site paginadoe.com.br

2 Comentários
  1. Suely Diz

    Meu amigo Brigadeiro eu adoro sua capacidade de criar cenários para os personagens que você entrevista ou cita. Sempre digo que você digita com as mãos, mas escreve com o coração.
    Suely Franciane Gusmão – advogada – Cuiabá – via WhatsApp

  2. Weder Costa Diz

    Vejo no atual cenário a Professora e ex reitora Maria Lúcia a melhor e mais oreparada candidata ao Senado Federal. Terá meu voto e de toda minha família. Pode esperar que estará eleita!

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