Boa Midia

O estranho caso do Paletó acima do bem e do mal

Carreata em 8 deste dezembro pede afastamento de Emanuel Pinheiro
Carreata em 8 deste dezembro pede afastamento de Emanuel Pinheiro
Era tanto o dinheiro que não coube no bolso do paletó e um pacote caiu. Com naturalidade o deputado estadual e membro da comissão da Assembleia Legislativa encarregada de fiscalizar as obras da Copa do Mundo de 2014, Emanuel Pinheiro, abaixa, pega a pacoteira, sorri feliz e cita o nome de seu benfeitor: Sílvio, Sílvio.

 

Ezequiel, José Domingos, muito dinheiro e uma caixa de papelão
Ezequiel, José Domingos, muito dinheiro e uma caixa de papelão

Aquela foi um das mais vergonhosas cenas protagonizadas entre quatro paredes por políticos mato-grossenses, no caso, Emanuel e Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete do à época governador Silval Barbosa.

Não foi a pior cena, pois tão absurda quanto ela foi espetáculo promovido pelos deputados estaduais Ezequiel Fonseca e José Domingos Fraga, no mesmo cenário e em situação idêntica receberem maços de reais e  José Domingos com desenvoltura guardá-los numa caixa de papelão. Isso foi o que exibiu o Jornal Nacional da Globo, na quinta-feira, 24 de agosto de 2017. Transcorridos mais de 2 anos 3  meses as cenas chocantes e que envergonham Cuiabá não resultaram em punição aos envolvidos.

Emanuel, o mais exposto, por ser prefeito de Cuiabá, ganhou o apelido de Paletó; enfrentou uma CPI na Câmara, que encontra mil maneiras para sua hibernação; e no domingo, 8 deste dezembro, uma carreata saiu às ruas pedindo seu afastamento.  Em meio a tudo isso o Ministério Público não se manifesta.

A carreata pedindo o afastamento de Emanuel, prefeito pelo MDB e que exerceu mandato de deputado pelo PR e o PMDB foi organizada pela oposição na Câmara. Não houve empolgação nas ruas por onde a manifestação passou. Aparentemente a população nivela o prefeito e os vereadores.

Cuiabá realmente nao tem motivos pra se empolgar.

Emanuel controla a Câmara, onde tem forte blindagem.  Em silêncio o MP  a tudo assiste; o movimento comunitário, se preciso for, veste o paletó pra agradar Emanuel; a Imprensa, salvo um ou outro veículo, está profundamente empenhada em sua defesa.

Mesmo com um grupo reduzido de vereadores fazendo oposição a Emanuel e pedindo sua cabeça, a Câmara é um saco sem fundo e improdutiva, que recebe em média R$ 158.333 todos os dias, inclusive aos domingos, feriados e independentemente de chuva ou sol. Isso, levando-se em conta seu duodécimo previsto para este ano e aprovado pelos próprios interessados – os vereadores – de R$ 57 milhões.

Como nos ensina a irreverência popular. Na briga de vereadores com Emanuel, a melhor torcida é pela briga.

 

Poço de tranquilidade

 

 

Na entrevista, com naturalidade, Emanuel nega Paletó
Na entrevista, com naturalidade, Emanuel nega Paletó

Olhando firme nos olhos de Emanuel, perguntei sobre o grotesco episódio do Paletó. Sem sequer mover um músculo da face e apresentando serenidade, sem rubor, ele manteve o discurso que sustenta desde aquele episódio em 2017. Disse que trata do assunto na esfera competente, o Judiciário, e que por orientação de seu advogado somente entrará em detalhes no momento certo, para mostrar as inverdades de criminosos. Mais: deixou claro que tem a consciência tranquila e que a verdade prevalecerá. Seu tom não era de político acuado, mas de candidatíssimo. Esse foi o ponto alto da entrevista concedida na segunda-feira, 2, deste dezembro, pelo prefeito ao programa Amplo, Geral e Irrestrito, apresentado ao vivo no Facebook pelo jornalista Enock Cavalvanti (da paginadoe.com.br), no estúdio do site ofactual.com.br com produção e direção do publicitário Cláudio Cordeiro e minha participação na bancada dos entrevistadores.

A pergunta foi o ponto alto, mas sem tensão. Emanuel a respondeu com tranquilidade, naturalidade e serenidade. Em nenhum momento se sentiu desconfortável, apesar de se tratar de um tema sempre evitado por jornalistas – pelo menos em sua presença.

Emanuel na cena que ele vê com naturalidade
Emanuel na cena que ele vê com naturalidade

Pouco antes dessa entrevista ao Amplo, Geral e Irrestrito, no dia 20 de novembro, conversamos para o site blogdoeduardogomes ao lado do Hospital Municipal de Cuiabá. O questionei sobre duas coisas: Paletó e candidatura a prefeito. Sobre a primeira disse que,  “juntamos provas, testemunho; estamos tranquilos“. Quanto a outra, admitiu que será candidato, sim.

Sua tranquilidade está alicerçada no apoio que tem na Câmara, onde a grande maioria reza por sua cartilha; no atrelamento do movimento comunitário; e no compromisso editorial da mídia amiga – isso deixando de lado o MP em seu silêncio sepulcral.

A oposição que fez a carreata teve a participação dos vereadores Diego Guimarães (Progressistas), Felipe Welaton (PV), Lilo Pinheiro (PDT), Wilson Kero Kero (PSL), Abílio Júnior (PSC) e Dilemário Alencar (Pros). No plenário da Câmara a chamada Tropa de Choque do Paletó sufoca as vozes contrárias: Mais: politicamente está tudo costurado pra cassação de Abílio Júnior por quebra de decoro parlamentar. Mais ainda: o presidente da Câmara, Misael Galvão, acaba de dar uma grande demonstração de identidade carne e unha com o prefeito. Galvão trocou o PSB pelo PTB, pra não ser impedido de eventualmente ser companheiro de chapa de Emanuel na disputa pela prefeitura, no próximo ano. Pra quem não sabe, o PSB é controlado pelo deputado estadual Max Russi, que é um dos gurus do governador democrata Mauro Mendes na Assembleia (Mauro e Emanuel não se bicam). Já o PTB é o partido do deputado federal Emanuel Pinheiro Neto, o Emanuelzinho, filho do papai prefeito Emanuel. Pronto!

ENTENDAM – A avaliação popular sobre a Câmara, por sua vergonhosa, porém legal gastança, afasta parte da população da mobilização contra Emanuel, porque tanto um quanto outro são vistos como farinha do mesmo saco, avaliam analistas políticos.

Nivelamento à parte o escândalo do Paletó é um espinho na garganta moral da tricentenária cidade de Moreira Cabral.

O que aconteceu?

 

Silval Barbosa governou Mato Grosso entre abril de 2010 e dezembro de 2014. No período aconteceram as obras da Copa do Mundo, o programa rodoviário de pavimentação MT Integrado e o início da construção do modal de transporte do VLT. Réu confesso por improbidade administrativa, Silval em delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal revelou que pagou mensalinho a cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a boa parte dos deputados estaduais. Sílvio Corrêa reiterou essa delação. Sílvio é quem aparece entregando dinheiro para Emanuel e outros deputados.

Não há vídeos sobre entrega de mensalinho aos conselheiros delatados: Waldir Teis, Antônio Joaquim, Valter Albano, Sérgio Ricardo e José Carlos Novelli – todos afastados desde 2017 e proibidos de irem ao TCE por decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Sílvio, porém, gravou entrega de dinheiro a deputados e ex-deputados à época, em seu gabinete, sem a presença de assessores do anfitrião e dos visitantes. Nas filmagens exibidas pelo Jornal Nacional apareceram Emanuel, Ezequiel Fonseca (que mais tarde seria deputado federal), Luciane Bezerra (mais tarde eleita prefeita de Juara; Luciane foi cassada pela Câmara, por improbidade administrativa), Hermínio Barreto (já falecido), Airton Portugués e sua irmã Vanice Marques (ex-secretária estadual de Turismo), José Domingos FragaAlexandre Cesar (à época procurador do Estado licenciado e agora na ativa).

O modus operandi para a entrega do dinheiro foi o mesmo para todos. Parecia um eco; sim, um eco que não deveria ecoar nunca mais.

DETALHE – Todos os que receberam dinheiro de Sílvio negam que sua origem seja ilícita. Silval e Sílvio, no entanto, sustentam o contrário. Todos os vereadores alegam que o duodécimo é legal, mas nenhum discute seu aspecto moral ou imoral.

Eu tenho a força!

 

Um por todos, todos por um
Um por todos, todos por um

Emanuel tem um grande trunfo na manga: a velha guarda dos caciques políticos o mima. Ao seu lado estão: Carlos Bezerra, deputado federal e senhor do MDB regional. Bezerra arrasta consigo seu partido, inclusive a deputada estadual campeã de votos, Janaína Riva.

Os irmãos Júlio e Jayme Campos, ambos do DEM; Jayme é senador. O Democrata não tem donos, mas sócios e, os Campos, respondem pela parte que fará o enfrentamento com o também sócio Mauro Mendes, pra proteger Emanuel, ao qual chamam de Nenel.

Blairo Maggi (PP), que foi governador, senador e ministro, também se desmancha por Emanuel.

Wellington Fagundes (PL), senador, é um dos principais padrinhos de Emanuel.

Nery Geller (PP), deputado federal, aplaude entusiasticamente o prefeito.

 

Apesar de tudo…

 

O pai Riva denuncia Emanuel, mas a filha Janaína o apoia
O pai Riva denuncia Emanuel, mas a filha Janaína o apoia

Emanuel se elegeu prefeito em 2016, antes que o vídeo e as delações de Silval e Sílvio se tornassem públicos. Sua disputa pela prefeitura com o tucano Wilson Santos foi plebiscitária. Ele, representava a oposição  ao governador Pedro Taques (PSDB);Wilson era a imagem e semelhança de Taques. Não deu outra. No segundo turno faturou a disputa com 157.877 votos (60,41%) e Wilson não passou de 103.483 votos (39,59%).

No primeiro momento, quando o vídeo chocou Cuiabá, Emanuel se afastou de tudo e de todos. Depois, refeito voltou à cena – não àquela com Sílvio.

Ao vídeo se juntou um depoimento do ex-deputado José Riva, que controlou a Assembleia por 20 anos. Riva o relacionou entre os 38 deputados que durante seu reinado parlamentar receberam mensalinho legislativo. Riva disse isso numa audiência na 7ª Vara Criminal, onde era ouvido pela juíza Selma Arruda, agora senadora pelo Podemos.

A filha de Riva, Janaína Riva, mesmo sabendo dessa estranha relação de Emanuel com o pai, o apoia.

Em sua delação, Silval cita 38 deputados que teriam recebido mensalinho entre 2012 e 2013. Nessa lista consta o nome de Emanuel.

 

RESUMO Uma carreata modesta num domingo chuvoso não tem força pra quase nada.

Uma CPI abafada e hibernante.

Um MP distante.

Uma Imprensa vacilante.

Uma Câmara coajuvante.

Um movimento comunitário manietado.

Um prefeito que demonstra  tranquilidade, naturalidade e serenidade.

É nesse cenário que Cuiabá irá às urnas em 2020, onde estará a chapa Emanuel e Misael. Até lá, historiadores terão tempo suficiente pra construírem o roteiro de um período vergonhoso, de impunidade, cumplicidade e indiferença, que no amanhã terá mais destaque do que as comemorações pelos 300 anos de Cuiabá, que coincidem com ele. Quem sabe eles, inspirados, mostrem às gerações do futuro o estranho caso do Paletó acima do bem e do mal.

 

Eduardo Gomes – Redação blogdoeduardogomes

FOTOS:

1 – Assessoria vereador Abílio Júnior

2 e 4 – Sobre imagens da TV Globo

3 – Vanessa Moreno

5 – Divulgação Prefeitura de Cuiabá

6 – Maurício Barbant – Assembleia Legislativa

 

 

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