Em Mato Grosso corações batem longe dos cardiologistas
Mato Grosso tem um cardiologista para cada grupo de 29.037 habitantes e cirurgias cardíacas somente são realizadas em três dos seus 141 municípios: Cuiabá, Sinop e Rondonópolis. A população mato-grossense é de 3.484.466 habitantes.
Nos poucos bolsões cardiológicos o atendimento é bom. O quê da questão é o vazio de cardiologistas na imensidão dos 903 mil km² de Mato Grosso, onde na grande maioria das cidades o coração ainda não é amigo do peito da Saúde Pública ancorada no Sistema Único de Saúde (SUS).

Essa é a realidade mato-grossense numa das áreas mais sensíveis da medicina de alta complexidade. Mais: algumas distâncias entre o endereço do paciente e o hospital podem comprometer seu quadro de saúde. De Colniza a Cuiabá são 1.040 quilômetros com boa parte do trajeto em estrada sem pavimentação; de Santa Terezinha a Sinop o trajeto é de 800 quilômetros, com a maior parte em estrada encascalhada e travessia do rio Xingu em balsa (MT-322); de Cocalinho a Rondonópolis o trajeto é de 790 quilômetros, também com trecho sem asfalto e dependendo de balsa para cruzar o rio das Mortes (MT-326).
O presidente da regional mato-grossense da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Roberto Candia, ressaltou a qualidade dos centros cardiológicos nas três cidades, mas reconheceu a existência de claros que precisam de unidades hospitalares para reduzir a distância entre o médico e o paciente. Numa linguagem médica Candia observou que “tempo é músculo” – ou seja quanto antes o atendimento menor será o grau de comprometimento coronariano.
A distância que pode agravar o quadro do paciente é a mesma que move a engrenagem do Turismo de Saúde sobre rodas, em ambulâncias de prefeituras e hospitais públicos, transportando cidadãos com problemas cardíacos, das pequenas cidades para os hospitais regionais estaduais, Esse não é o único roteiro; é a primeira etapa desse estranho turismo, que transfere ao hospital regional de sua área o prosseguimento do atendimento iniciado no posto médico no município onde o cidadão reside. Do hospital regional, mais uma vez pelo Turismo de Saúde ele é encaminhado para um centro mais avançado em busca de laboratório de hemodinâmica e os desdobramentos que se fizerem necessários.
As longas e demoradas viagens preocupam médicos e pacientes, mas, por enquanto, não há outra saída. Isso deixa o coração sob fogo cruzado. Além da predisposição genética, o coração em muitos casos é agredido por fatores de risco como obesidade, sedentarismo e tabagismo, e por doenças como diabetes mellitus, dislipidemia e hipertensão.
O pobre músculo que inspira poetas e compositores, não tem trégua no bombeamento do sangue, e ainda enfrenta a falta de cardiologistas nas pequenas e em médias cidades. Esse vazio médico é ditado por uma regra de fácil entendimento: um cardiologista numa cidade com 10 mil habitantes teria boa parte do tempo ocioso, por falta de demanda, ao passo que nas grandes cidades sua jornadas não lhe dão muita trégua para relaxar.
A presença do médico na pequena cidade permite acompanhamento regular e no controle das doenças já instaladas, e na prevenção pela detecção precoce. Sem ele, milhões de mato-grossense amargam uma espécie de roleta-russa coronariana, que dentre outros pode receber o nome de infarto agudo do miocárdio, também chamado de ataque cardíaco.
O mosaico habitacional afeta o atendimento cardiológico e outras áreas da medicina de alta complexidade. Somente 15 cidades, incuindo a área metropoliana com Cuiabá e Várzea Grande, têm mais de 40 mil habitantes. Na outra ponta da tabela, em 32 municípios o número de moradores não chega a 5 mil. Essa condição, no macro, é compreensível. Mas, não queiram apresentá-la a algum parente de quem sofreu um infarto ou esteve a um passo dele.
Se ao invés das cirurgias cardiológicas se concentrarem em Cuiabá, Sinop e Rondonópolis elas fossem estendidas a outras cidades, em pontos estratégicos, para reduzir o Turismo de Saúde, Mato Grosso teria um bom avanço na Saúde Pública – avalia um ortopedista, que por óbvias razões pede para não ser identificado. O que ele sugere: o fortalecimento da malha de atendimento, com a inclusão de Tangará da Serra, Cáceres, Barra do Garças (na conurbação com Pontal do Araguaia e Aragarças/GO), Primavera do Leste, Pontes e Lacerda, Juara, Água Boa, Colíder, Alta Floresta, Nova Mutum, Colniza e Alto Araguaia (para atendimento ampliado ao vizinho município goiano de Santa Rita do Araguaia).

Um leque maior de cidades na área de cardiologia poderia contribuir para a redução da mortalidade por problemas ligados ao coração. Para tanto seria necessário aumentar o número de médicos e oferecer condições de trabalho aos mesmos, mas acontece que a rede física dos hospitais regionais está sucateada e não tem aparelhamento, a começar por unidades de terapia intensiva (UTIs) em quase todos os hospitais. Aparentemente não seria fácil essa mudança, de imediato, ainda mais sabendo-se que não sequer plano de expansão da malha dos hospitais regionais por parte do Governo Estadual.
Também da diretoria regional da SBC em Mato Grosso, o cardiologista Júlio César de Oliveira observa que embora os centros de cirurgias se localizem em apenas três cidades, há bons profissionais atuando em vários municípios, a exemplo de Barra do Bugres, Lucas do Rio Verde, Barra do Garças e outras cidades.
PARÂMETRO – O quantitativo de médicos está pouco abaixo do ideal preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece um para cada grupo de mil moradores. Em Mato Grosso onde todas as manhãs 3.500 médicos vestem jaleco branco para botar a mão na massa. a média é de um médico para cada grupo de 1.041 mato-grossenses. Sem se deixar levar pelo coração – e longe de trocadilho – o amigo do peito bate sob permanente risco nessa Terra de Rondon, onde há bolsões de cardiologistas, enquanto em mais de uma centena de municípios esse profissional é o grande ausente.
CONGRESSO – O coração está no centro das discussões no XX Congresso de Cardiologia de Mato Grosso, paralelo ao VIII Simpósio de Arritmia e Estimulação Cardíaca de Mato Grosso e outro evento, que foram abertos na quinta-feira, 24, em Cuiabá, e que prosseguem até o próximo sábado, com a participação de médicos mato-grossenses e de outros estados, e profissionais de outras áreas da saúde, além de estudantes de medicina.
A questão do quantitativo dos cardiologistas e sua distribuição geográfica não entram nos debates do Congresso, que é temático sobre procedimentos da profissão. Mesmo assim, fora da pauta dos debates, Candia e Júlio César responderam a questionamentos do site sobre os aspectos abordados na reportagem.
Redação blogdoeduardogomes
FOTOS:
1- Ilustrativa – blogdoeduardogomes
2 e 3 Roberta Cassia – SBC/MT
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