Boa Midia

Resta uma semana para o começo do fim de Jarudore

A Igreja Nossa Senhora da Glória
A Igreja Nossa Senhora da Glória

Implacável. O tempo avança. Dos 45 dias de prazo concedido para o começo da desintrusão de um dos fatiamentos de Jarudore, já se passaram 38. Faltam sete dias ou uma semana. Uma semana, para que famílias sejam arrancadas de suas casas e atiradas à beira da estrada pelo Estado Brasileiro. O cenário no distrito de Jarudore é de imensa dor, de indignação, de sentimento de impotência, de abandono pelas autoridades. Dia 19 de agosto de 2019, brasileiros de mãos calejadas, crianças, idosos, portadores de necessidades especiais, mães, avós, jovens, todos, serão jogados na vala social comum pela mão poderosa da Justiça Federal. Pobre Jarudore!

Acabou?

– Não! Ainda restam sete dias. Pode ser que nesse curto espaço de tempo a comunidade que vive há 74 anos em Jarudore encontre uma luz no fim do túnel. Pode ser que um milagre aconteça. Mas pode ser também que daqui a uma semana a polícia apareça na curva da estrada, com seus fuzis, metralhadoras, pistolas e bombas de efeito moral dando cobertura a oficiais de Justiça. Pode ser que essa polícia repita o que fez em Estrela do Araguaia, que era mais conhecido como Posto da Mata, onde desencadeou uma chapada operação saturação, criando um clima de guerra para minar a resistência de um povo humilde cuja arma que conhece é a enxada. Pobre Jarudore!

Serão os últimos dias da pecuária leiteira em Jarudore?
Serão os últimos dias da pecuária leiteira em Jarudore?

Em Jarudore, famílias desesperadas, moradores buscando força nos vizinhos, mães em lágrimas abraçadas aos filhos pequenos, idosos chorando pelos cantos com vergonha de serem vistos aos prantos. Evangélicos oram a Deus. Católicos se apegam à padroeira Nossa Senhora da Glória,em permanente romaria à sua igreja. Alguns torcem. Outros fazem figa. Os orixás da Boa Terra do Senhor do Bonfim são invocados.

Em Cuiabá, o desconforto de políticos que sequer conhecem com profundidade a questão. É muito triste dizer isso, mas num dos trechos mais bonitos do rio Vermelho, entre Rondonópolis e Poxoréu, mais de 1.650 brasileiros estão abandonados. Pobre Jarudore!

Em Cuiabá, nenhuma autoridade se preocupa com o caos social em JarudoreIncra, Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), Governo de Mato Grosso e a Assembleia Legislativa não criaram uma rede de proteção social para Jarudore – para ser acionada caso a desintrusão aconteça. As famílias que serão jogadas à beira da estrada ficarão ao léu. Para o gigantismo do poder na capital mato-grossense, com suas verbas indenizatórias e ultrajantes mordomias, o capítulo Jarudore chegará ao fim na noite do próximo 19 de agosto após o Jornal Nacional noticiar que um bando de invasores foi retirado pelo braço da Lei de uma terra indígena em Mato Grosso. Pobre Jarudore! 

Ao contrário de Posto da Mata (boxe), onde a Justiça Federal determinou a desintrusão integral de uma área habitada mansa e pacificamente por mais de três décadas, criando assim a primeira diáspora mato-grossense, em Jarudore será diferente. Essa mesma Justiça Federal inovou e fatiou o distrito. Essa opção para operacionalizar a desintrusão é prerrogativa dela. Com o fatiamento o efeito da retirada dos moradores não criará clima de comoção nacional junto aos brasileiros que defendem a parte mais frágil da população, como ocorreu quando de Posto da Mata. Pobre Jarudore!

Assim, no próximo dia 19 acontecerá a segunda diáspora em Mato Grosso no curto espaço de sete anos. Essa decisão é do juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque, que em 25 de junho determinou a expropiação, conforme publicação oficial em 5 de julho. Pobre Jarudore!

O prazo de 45 dias para o primeiro fatiamento chega ao fim. O segundo fatiamento foi estipulado para 45 dias depois. A primeira desintrusão será sobre uma área de 1.930 hectares. Um mês e meio depois – tendo o mesmo marco temporal – os que residem numa região com 1.730 hectares farão o mesmo. Cumpridas as duas desintrusões restarão 1.046 hectares que compreendem a vila de Jarudore e seu entorno. Pobre Jarudore!

 MILAGRE? Jarudore tenta com um pedido de efeitos suspensivo (à decisão do juiz em Rondonópolis) junto ao desembargador  João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que a contagem regressiva cesse, mas Brasília faz silêncio sepulcral. Pobre Jarudore!

Advogados dos moradores demonstram confiança que seja concedido efeito suspensivo, que ele  impeça o pior, e que dê fôlego para a tramitação da ação nos tribunais superiores em Brasília. Na angustiante espera que se arrasta há mais de um mês, a população sofre. Pobre Jarudore!

BOXE –  O que acontecerá com Jarudore não será algo inédito em Mato Grosso. Em 2012, na vila Estrela do Araguaia, que era mais conhecida como Posto da Mata, a população foi arrancada de suas casas, a comunidade foi demolida por tratores diante de olhares vigilantes de militares e policiais por sentença da Justiça Federal. Posto da Mata e a área rural da gleba Suiá-Missú (conhecida na região como fazenda do Papa), abrigava 6.500 brasileiros, que ali viviam mansa e pacificamente há mais de três décadas. A vila  surgiu de ambos os lado do limite dos municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 158 e 242.

Posto da Mata foi riscado do mapa. Suas escolas, posto de saúde, igrejas, casas, tudo, tudo mesmo, virou escombros. A gleba, com 155 mil hectares, está reservada para aldeamento dos índios xavantes. Virou terra indígena Marãiwatsédé nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia.

(Entendam o caso)

Cronologia de Jarudore

 

O rio Vermelho e o Morro do Coelho em Jarudore
O rio Vermelho e o Morro do Coelho em Jarudore

1926 – O Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon constrói uma estação telegráfica à margem do rio Vermelho.

1945 – Mato Grosso cria a vila de Jarudore ao lado da estação telegráfica. Naquele mesmo ano, atendendo pedido do Marechal Rondon, o Estado destina aos bororos uma área de 4.791,33 hectares (corrigida para 4.706 hectares) desmembrada de outra, do Estado, pelo Decreto 664, de 18 de agosto, baixado pelo interventor federal Júlio Müller.

Rondon era estrategista e defendia os índios. Ao pedir a terra para eles, queria assegurar que os mesmos tivessem um ponto de apoio – ao lado do telégrafo – para sua viagens embarcadas pelo rio Vermelho (que eles chamam de Poguba) entre as suas reservas nas chamadas terras altas e suas aldeias no Pantanal.

1947 – Em 26 de junho, o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo cria a Escola Estadual Franklin Cassiano da Silva, em Jarudore, como parte da política de instalação de escolas em pontos estratégicos na região de Rondonópolis, para assegurar educação aos filhos dos colonos pioneiros que ocupavam o vazio demográfico nas calhas dos rios São Lourenço e Vermelho. Essa escola é uma das referências do lugar.

1958 – Em 20 de agosto O Cartório do Registro de Imóveis da Comarca de Poxoréu averba a matrícula 3.547 da área de Jarudore para a Funai.

Em  25 de dezembro o governador João Ponce de Arruda sanciona a Lei 1.191 criando o Distrito de Paz de Jarudore no município de Poxoréu, com base num projeto de lei do deputado Mário Spinelli (PSP) aprovado pela Assembleia Legislativa.

1973 – Somente o capitão bororo Henriquea mulher dele, dona Ana, e a filha do casal e professora no distrito, Maria, residem em Jarudore. Os demais de sua etnia abandonaram Jarudore e mudaram para a reserva Sangradouro/Volta Grande. “Capitão” era designação de cacique.

1978 – Bororos levam o capitão Henrique e seus familiares para a reserva Sangradouro/Volta Grande. Com a saída da família, a área onde viviam é ocupada pelo capitão José Luiz Quearuvare – também grafado Kiaruvare.  Naquele ano o capitão José Luiz deixa Jarudore.

2006 – Em 22 de junho a cacique Maria Aparecida Tore Ekureudo, da reserva Sangradouro/Volta Grande chega a Jarudore à frente de um grupo de 32 bororos, ocupa um sítio distante 7 quilômetros da área urbana e cujo posseiro é estranho aos moradores, e fixa o cartaz: “Área Indígena Aldeia Nova Bororos”.

Jarudore
Jarudore

No dia 25 de junho o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio Avelar, e o procurador Federal Cezar Augusto Lima Nascimento, representando a Funai, ingressam com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar de antecipação de tutela específica, ao juiz da 3ª Vara da Justiça Federal em Cuiabá, César Augusto Bearsi, pela reintegração da área de Jarudore aos bororos. Até então os bororos não habitavam aquela área. Posteriormente, com a criação da Justiça Federal em Rondonópolis, a ação passou a tramitar na 1ª Vara daquela cidade.

Quem descobriu o sítio desocupado temporariamente que em seguida seria ocupado pelos bororos foi João Osmar Lopes, o Gaúchogenro da cacique Maria Aparecida. Gaúcho trabalhava numa linha de leite e conhecia bem a região.

Desde a chegada dos bororos Jarudore passou a enfrentar problemas de diversas naturezas.

Solução

Jarudore é antropizada e ocupada mansa e pacificamente há 74 anos. Uma composição satisfatória para todos seria o Estado adquirir uma área igual ou maior ao distrito, e anexa a uma das reservas dos bororos, e lhes dar em compensação  por aquela onde efetivamente nunca foram aldeados. Para que isso aconteça seria necessário uma ampla costura política e amparo da União em seu sentido mais amplo.

Eduardo Gomes – blogdoeduardogomes

FOTOS: 

3 – Marcos Negrini

Demais: blogdoeduardogomes

 

Comentários estão fechados.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você está bem com isso, mas você pode optar por sair, se desejar. Aceitar Leia Mais

Política de privacidade e cookies