Grampolândia não pode continuar impune
Grampolândia Pantaneira foi o maior atentado contra a cidadania mato-grossense. O aparelhamento de forças do Estado a serviço do crime violou o segredo telefônico assegurado em lei num tenebroso período cujo marco temporal seria o final do ano de 2014, mas que pode ser bem anterior a essa referência. Em linhas gerais, o monstruoso esquema envolveria figuras do governo, do Ministério Público, do Judiciário, da Polícia Militar e da Polícia Civil. Da forma como evoluem as investigações – sob segredo de Justiça – segundo as poucas informações tornadas públicas, teremos punições da cintura para baixo, apenas isso. Entidades, formadores de opinião, mídia (com alguma exceção) e Assembleia Legislativa pisam em ovos sobre a questão, mas em nome da lei, da ética, da moralidade e da transparência é preciso que se lancem luzes sobre essas trevas.
O tristemente famoso caso Grampolândia chegou ao conhecimento público em 14 de maio de 2017 no Fantástico da Rede Globo – pressupõe-se que desde então os grampos cessaram. De extrema gravidade, o conteúdo apresentado pelo programa ganhou mais forma e consistência no curso das investigações e com as revelações feitas por réus confessos a exemplo do coronel Zaqueu Barbosa, ex-comandante da Polícia Militar, e do cabo da PM Gérson Corrêa, que assume a condição de operador de escutas clandestinas ou acobertadas pelo que se chama de barriga de aluguel.
O esquema que teria começado em 2014, no apagar das luzes do governo de Silval Barbosa, porém sem a participação do mesmo, visaria, segundo o cabo, bisbilhotar adversários políticos do então governador eleito Pedro Taques, jornalistas, médicos, advogados que militam na área eleitoral, o vice-governador Carlos Fávaro que chegou ao poder na chapa de Pedro Taques) e outras autoridades e personalidades.
O desembargador do Tribunal de Justiça, Orlando Perri, citou 70 mil grampos como referência a Grampolândia. Ainda que fosse somente uma vítima o fato seria extremamente grave. Imaginem milhares de ligações sendo monitoradas sabe-se Deus pra que finalidade.
Em mais de dois anos do escândalo, uma série de fatos aponta que boa parte da responsabilidade pelo crime seja de Pedro Taques e de seu primo, Paulo Taques, que chefiou a Casa Civil e esteve preso por sua suposta participação nos grampos. Ambos negam.
Também nesse período de dois anos descobriu-se que gravações seriam feitas pelo esquema barriga de aluguel, que consiste em pedir a quebra de sigilo telefônico de alguns números, como se fosse para investigar ações criminosas, escondendo da autoridade judicial a identidade do titular da linha ou linhas a serem monitoradas. Nesse caso, segundo o cabo Gérson Corrêa, ele requeria a quebra judicialmente alegando que o Serviço Reservado da PM estaria investigando envolvimento de policiais com o crime. A quebra do sigilo era obtida junto ao juiz Alexandre Martins Ferreira, da Comarca de Cáceres, na fronteira.
O magistrado em Cáceres autorizava a quebra do sigilo. A partir daí somente Deus para saber o que acontecia. Dentre as vítimas o desembargador do Tribunal de Justiça, Marcos Machado; a deputada estadual Janaína Riva (MDB); o jornalista José Marcondes Muvuca; e até um ginecologista de uma amante de um dos supostos cabeças do crime.
Em fevereiro deste ano, por unanimidade, acolhendo parecer pelo arquivamento da ação, proposto pelo MP, o Pleno do TJ absolveu Martins Ferreira de suposta participação no esquema Grampolândia. Portanto, o magistrado que deu o sinal verde às escutas telefônicas está fora do curso das investigações, devidamente absolvido pelo TJ.
Mesmo com a exclusão de Martins Ferreira (e também por conta dela) o gigantismo do Estado está no centro do crime Grampolândia. Como passar a limpo essa triste página da história mato-grossense?
Será difícil.
As denúncias feitas por policiais militares e réus confessos são extremamente graves contra Pedro Taques, Paulo Taques e um grupo de membros do Ministério Público. Em reinterrogatório nos dias 16 e 17 de julho deste ano, ao juiz da 11ª Vara Criminal Especializada em Justiça Militar, Marcos Faleiros, Grampolândia descambou para um lado preocupante. Em juízo os coronéis Zaqueu Barbosa e Evandro Lesco, ex-chefe da Casa Militar; e o cabo da mesma corporação, Gérson Corrêa, apontaram o dedo sobre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Com riqueza de detalhes narraram ao magistrado a mecânica do crime e citaram os nomes dos seguintes membros do MP, que estariam envolvidos com o mesmo: procurador Paulo Prado; e os promotores Marco Aurélio de Castro, Marcos Bulhões, Marcos Regenold, Samuel Frungillo, Célio Wilson e Arnaldo Justino.
Dos sete membros do MP denunciados no reinterrogatório, cinco pediram ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM) que os investiguem. Somente os promotores Célio Wilson e Arnaldo Justino não assinaram a nota conjunta distribuída à Imprensa revelando a decisão dos cinco em serem investigados. Independentemente da nota o CNPM certamente os investigaria dado a robustez da acusação.
Em novembro, o juiz Marcos Faleiros proferirá a sentença na ação em que são réus os coronéis Zaqueu Barbosa e Evandro Lesco, o cabo Gérson Corrêa e outros policiais militares.
Instituição respeitada, admirada e muito valorizada pela população, o Ministério Público está arranhado nesse episódio. Mesmo sem questionamento na Imprensa, mesmo com a Assembleia Legislativa descartando a hipótese de instalar CPI para se apurar envolvimento ou não de membros do Ministério Público no escândalo, o cidadão se sente inseguro com a ausência plena e isenta do Estado na apuração dos fatos como sua gravidade requer.
Mato Grosso quer esclarecimento sobre Grampolândia. A verdade pede o fim dessa horrorosa novela. A lei estabelece que seus responsáveis paguem pelo que fizeram.
O Ministério Público é perene, maior do que seus membros. Essa instituição não pode continuar sob o crivo da dúvida, sob suspeita de corporativismo e com feridas expostas como no episódio do noticiário onde o presidente da Associação de Magistrados de Mato Grosso (AMAM), juiz Tiago Abreu prevê prisão em massa de promotores.
Grampolandia extrapolou o crime das gravações clandestinas e bota em xeque a AMAM e o MP, por mais que ambas as instituições busquem amenizar o cenário e ajam como se fossem bombeiros tentando apagar o fogo que todos sabemos como começou, mas que ninguém sabe como terminará. É o Estado cada vez mais atolado nesse escândalo.
É precioso que fique bem claro: quem gravou quem e quem mandou gravar? Além do aparente abuso do poder por parte dos primos Pedro Taques e Paulo Taques. que teriam designado policiais militares para efetuar as escutas criminosas – conforme admitem os próprios policiais militares, que são réus numa ação de Grampolândia – é imprescindível apurar se o Gaeco teria se aproveitado do cenário para obtenção de diálogos entre figuras que poderiam ter sido alvo de operações policiais por ele desencadeadas.
A forma angelical como todos se posicionam é uma versão irreal dos fatos. Não se pode generalizar, mas é preciso que diante da existência do fato e da declaração de participantes do esquema, de que o mesmo leva as digitais do MP, o mesmo seja submetido a investigação rigorosa tanto quanto os agentes políticos e policiais que se envolveram nesse escândalo.
A Assembleia Legislativa, impregnada de deputados investigados, indiciados, processados, condenados em primeira instância, com bens bloqueados e delatados, infelizmente não tem isenção para instalar uma CPI destinada a apurar a participação ou não do MP em Grampolândia. Parlamento Estadual à parte, que o Estado cumpra seu papel. E que o faça preferencialmente ontem, mas se não for possível que seja agora, já.
Que esse doloroso episódio chegue aos tribunais e seus protagonistas condenados; que o cidadão volte a acreditar no Estado e que a lei é igual para todos. Grampolândia não pode continuar impune.
Eduardo Gomes – Editor de blogdoeduardogomes
FOTO: Ilustrativa
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